Minhas memórias sobre Irmã Faustina
Existem verdades da santa fé que talvez até podem ser conhecidas ou mencionadas com frequência, mas não são bem compreendidas ou bem vividas.. Assim foi comigo sobre a verdade da misericórdia de Deus. Tantas vezes refleti sobre esta verdade nas meditações, sobretudo nos retiros, tantas vezes falei dela nas homilias e a repeti nas orações litúrgicas, mas não me aprofundei no seu conteúdo e na sua importância na vida espiritual; especialmente não entendia, e até agora não concordava, que a misericórdia de Deus é um atributo supremo do Criador, Redentor e Santificador. Foi preciso que uma alma simples e piedosa, tão unida a Deus, a qual – creio eu – por inspiração divina, me falasse sobre isso e me estimulasse a estudar, pesquisar e refletir sobre este assunto. Esta alma era Irmã Faustina (Helena) Kowalska da Congregação das Irmãs de Nossa Senhora Mãe da Misericórdia, que aos poucos conseguiu o que hoje considero a questão do culto à Divina Misericórdia, e em particular, a instituição da Festa da Divina Misericórdia no primeiro Domingo depois da Páscoa, como um dos principais objetivo da minha vida.
Conheci a Irmã Faustina no verão (em julho ou agosto) de 1933 como penitente, na época eu era o simples confessor da Congregação das Irmãs de Nossa Senhora Mãe da Misericórdia em Vilnius (rua Senatorska, 25). Ela chamou a minha atenção com a sua incomum sutileza de consciência e de união íntima com Deus: geralmente não havia pecado para absolvição, ela nunca ofendera a Deus com um pecado grave. Já no início, ela me disse que me conhecia há muito tempo por meio de uma visão, em que eu seria o seu diretor espiritual e que eu realizaria alguns planos de Deus no futuro, que seriam revelados por ela. Ignorei sua história e decidi submetê-la a uma certa prova, o que fez com que a Irmã, com a permissão da Madre Superiora, começasse a procurar outro confessor. Depois de um tempo, ela voltou para mim e disse que aguentaria tudo, e que nunca me deixaria. Não posso repetir aqui, ou melhor, revelar todos os detalhes de nossa conversa, que está parcialmente contida em seu diário, por mim recomendado, pois eu a proibi de contar suas experiências de confissão.
Ao conhecê-la mais de perto, notei que os dons do Espírito Santo atuavam nela em estado oculto, mas em certos momentos, bastante frequentes, eles apareciam mais abertamente, dando um pouco da percepção que envolvia de forma profunda a sua alma, despertava os impulsos de amor [para] atos heróicos de sacrifício e renúncia de si mesma). Particularmente muitas vezes houve uma ação do dom de ciência, entendimento e sabedoria, graças à qual Faustina viu claramente o nada das coisas terrenas e a importância do sofrimento e da humilhação. Ela simplesmente conhecia as qualidades de Deus e, acima de tudo, Sua infinita misericórdia. Outras vezes, ficava contemplando uma luz inacessível e beatífica, permanecendo por algum tempo nessa luz insondável, com o olhar fixo, até que um dia, do meio dessa luz, apareceu a figura de Cristo andando e com a mão direita levantou para abençoar e com a outra tocou a túnica no peito. Da abertura da túnica no peito, ao redor do Coração, saíram dois grandes raios: um vermelho e outro pálido. Faustina teve essas e outras visões sensoriais e mentais por vários anos e ouviu palavras sobrenaturais, captadas pelo sentido da audição, imaginação e mente.
Temendo a ilusão, alucinação e delírio de Irmã Faustina, eu pedi à Irmã Superiora, Madre Irena, que me informasse quem fora Faustina, qual era a opinião sobre ela entre as Irmãs e Superioras na Congregação, e também pedi um exame sobre seu estado mental e saúde física. Depois de receber uma resposta favorável em todos os aspectos, continuei por algum tempo esperando, um pouco descrente, ponderando, rezando, pesquisando e, consultando alguns sacerdotes sábios sobre o que fazer sem revelar o que era e de quem se tratava. Tratava-se de supostas exigências de Jesus para pintar o quadro que a Irmã viu nas suas visões, e estabelecer a Festa da Divina Misericórdia no primeiro domingo da Páscoa. Finalmente, movido mais pela curiosidade como seria este quadro, e não pela fé na veracidade das visões da Irmã Faustina, decidi começar a pintar este quadro. Entrei em contato com o artista-pintor Eugeniusz Kazimierowski, que morava na mesma casa que eu, e que se comprometeu a pintar e eu me comprometi pagá-lo uma certa quantia. Então, a Madre Superiora permitiu que Faustina saísse do convento duas vezes por semana para encontrar o pintor e dizer-lhe como deveria ser a imagem.
O trabalho durou vários meses e, finalmente, em junho ou julho de 1934, a pintura foi concluída. Irmã Faustina reclamou que a imagem não era tão bonita como ela via de fato, mas Jesus a tranquilizou e disse que era suficiente daquele jeito e acrescentou: Estou oferecendo às pessoas um vaso com o qual elas devem vir a Mim em busca de graças. Este vaso é esta imagem com a inscrição: Jesus, eu confio em Vós. No momento, Irmã Faustina não conseguia explicar o que significavam os raios na pintura. Depois de alguns dias, ela disse que Jesus havia explicado a ela na oração: Os raios nesta imagem representam sangue e água. O raio pálido simboliza a água que justifica as almas. O raio vermelho simboliza o sangue que é a vida das almas. Eles brotam do Meu Coração que foi aberto na Cruz. Esses raios protegem as almas da ira do Pai celestial. Feliz é aquele que vive à sua sombra, pois a mão justa de Deus não o alcançará… Prometo que a alma que venerar esta imagem não perecerá. Também prometo vitória sobre seus inimigos já aqui na terra, especialmente na hora da morte. Eu mesmo a defenderei como minha glória… Quero que o primeiro domingo depois da Páscoa seja a Festa da Divina Misericórdia. Quem entrar no Sacramento do Amor nesse dia será perdoado de todas as culpas e penas… A humanidade não encontrará a paz até que se volte com confiança para a Misericórdia de Deus. Antes de vir como Justo Juiz, venho como Rei de Misericórdia para que ninguém se escuse no dia do Juízo, que já não está distante…etc.
Esta imagem tinha um conteúdo novo e, portanto, não poderia ser pendurada na igreja sem a permissão do Arcebispo, mas fiquei com vergonha de perguntar a ele, ainda mais se tivesse que explicar a origem da imagem. Por isso o coloquei em um corredor escuro ao lado da igreja de São Miguel (no convento das Irmãs Bernardinas), onde naquela época eu havia sido nomeado o reitor desta igreja. Irmã Faustina havia me antecipado sobre as dificuldades da minha permanência nesta igreja e, de fato, eventos extraordinários se desenvolveram muito rapidamente. Irmã Faustina exigiu que eu colocasse a pintura na igreja a todo custo, mas eu não tinha pressa . Finalmente na Semana Santa de 1935, ela me disse que o Senhor Jesus exigiu que eu colocasse a pintura no Santuário de Portal do Amanhecer (Ostra Brama) por três dias, onde haveria um tríduo no final do Jubileu da Redenção que seria no dia do feriado previsto, no Domingo Branco. Logo descobri que haveria um tríduo para o qual o pároco do Santuário de Portal do Amanhecer, Pe. Stanisław Zawadzki me pediu para pregar. Concordei com a condição de colocar esta pintura como decoração na janela do claustro, onde causou grande impressão e atraiu a atenção de todos, mais do que a pintura da Virgem Maria.
Depois da solenidade, a imagem [de Jesus Misericordioso] foi colocada em seu antigo lugar, escondida e lá permaneceu por mais dois anos. Só em 1º de abril de 1937 pedi a Sua Excelência, o Arcebispo de Vilna para pendurá-la na Igreja de São Miguel, onde eu era o então reitor. Sua Excelência, o Arcebispo Metropolitano disse que não queria decidir por conta própria e mandaria que a comissão fosse organizada pelo Pe. Adam Sawicki, Chanceler da Cúria Metropolitana. O chanceler ordenou que no dia 2 de abril [1937] a imagem fosse exposta na sacristia da igreja de São Miguel, para que a comissão pudesse olhá-la. Estando ocupado com o trabalho no Seminário e na Universidade, não estive presente durante a visita da comissão e não sei quem fazia parte dela. Em 3 de abril de 1937, Sua Excelência o Arcebispo Metropolitano de Vilnius informou-me que já tinha informações detalhadas sobre esta imagem e permitiu que ela fosse abençoada e pendurada na igreja com a ressalva de não pendurá-la no altar principal e não contar a ninguém sobre sua origem. A imagem foi então abençoada neste dia e pendurada junto ao grande altar próximo ao ambão. E de lá, várias vezes foi levada para a paróquia de S. Francisco (igreja pós-bernardina) para ser usada em um dos altares na procissão de Corpus Christi. Em 28 de dezembro de 1940, as Irmãs Bernardinas a levaram para outro local, o que acabou danificando levemente a imagem. Em 1942, quando as irmãs foram presas pelas autoridades alemãs, a imagem retornou ao seu antigo local, ao lado do grande altar, onde permanece, até hoje, venerado com grande reverência e devoção pelos fiéis, e está cercada por numerosos votos.
Poucos dias depois da celebração do Tríduo no Santuário de Ostra Brama, Irmã Faustina me contou sobre suas experiências durante essa solenidade, assim como deixou escrito em seu diário. Então, em 12 de maio, ela viu em espírito o Marechal Józef Piłsudski morrendo e contou sobre seu terrível sofrimento. Jesus quis lhe mostrar isso e disse: Olha como termina a grandeza deste mundo. Então ela viu o julgamento sobre ele, e quando perguntei como tinha acabado, ela respondeu: Parece que a misericórdia de Deus, por intercessão de Nossa Senhora, prevaleceu. Logo começaram as grandes dificuldades anunciadas pela Irmã (em relação à minha permanência na igreja de São Miguel), que continuaram a aumentar, e finalmente tiveram seu ponto culminante em janeiro de 1936. Não contei a quase ninguém sobre essas dificuldades, até que no dia mais crítico pedi oração à Irmã Faustina.
Para minha grande surpresa, naquele mesmo dia, todas as dificuldades desapareceram como uma bolha de sabão. Faustina me disse que havia tomado para si o meu sofrimento e que naquele dia havia sofrido mais do que jamais sofrera em toda a sua vida. Mais tarde, na capela, ela pediu ao Senhor que a ajudasse, e ouviu estas palavras: Você mesmo quis sofrer por ele e agora está oscilando? Eu permiti a você apenas uma parte do sofrimento dele. Aqui, ela me contou com total exatidão a causa de minhas dificuldades, que supostamente lhe foram comunicadas de maneira sobrenatural. Essa precisão era muito impressionante, não tinha como ela saber dos detalhes de forma alguma. Houve vários casos semelhantes.
Em meados de abril de 1936, Irmã Faustina, por ordem da Superiora Geral, foi transferida para Walendów, e depois para Cracóvia. Naquele tempo já estava refletindo seriamente sobre a ideia da misericórdia de Deus e comecei a buscar nos escritos dos Padres da Igreja a confirmação sobre a Misericórdia de Deus como o maior atributo de Deus, assim, como a Faustina me havia dito, já que não pude encontrar nada a respeito nos escritos de teólogos contemporâneos. Foi com grande alegria que encontrei expressões semelhantes em São Fulgêncio, em Santo Ildefonso, e sobretudo em São Tomás e Santo Agostinho que, comentando os Salmos, se deteve extensivamente na misericórdia de Deus, chamando-a de atributo supremo de Deus. Nessa época, não tinha mais dúvidas sobre a natureza sobrenatural das visões de Faustina, e então comecei a, de vez em quando, publicar artigos sobre a Divina Misericórdia em revistas teológicas, justificando racional e liturgicamente a necessidade da Festa da Divina Misericórdia no primeiro domingo depois da Páscoa, e em junho de 1936, publiquei o primeiro exemplar em Vilnius “Divina Misericórdia” com a imagem do Cristo Misericordioso na capa. Esta primeira publicação enviei principalmente para todos os bispos reunidos na conferência episcopal de Częstochowa, mas não recebi nenhuma resposta de nenhum deles. Em 1947, em Poznań, publiquei um segundo livro intitulado: “A misericórdia de Deus na liturgia”, cuja análise encontrei em várias revistas teológicas, geralmente muito favoráveis. Também publiquei alguns artigos nos jornais de Vilnius, mas em nenhum lugar revelei que Irmã Faustina era a “causa movens”.
Em agosto de 1937 visitei Irmã Faustina em Cracóvia, (no bairro Łagiewniki) e encontrei em seu diário a Novena da Divina Misericórdia, o que me agradou muito. Quando lhe perguntei sobre a origem daquela oração, ele respondeu que o próprio Jesus a havia mostrado. O Senhor já havia lhe ensinado o Terço da Misericórdia e outras orações as quais decidi publicar. Com base em certas expressões contidas nestas orações, compus a Ladainha à Divina Misericórdia, que junto com o Terço e a Novena entreguei ao Sr. Cebulski (Cracóvia, Rua Szewska 22), para obter o “Imprimatur” da Cúria de Cracóvia e imprimi-los com a imagem da Divina Misericórdia na capa. A Cúria de Cracóvia concedeu o “Imprimatur” N 671 e em outubro a Novena da Misericórdia apareceu nas prateleiras das livrarias[1]. Em 1939, eu trouxe um certo número destes santinhos e novenas para Vilnius, e depois que estourou a guerra, quando as tropas soviéticas entraram em Vilnius (em 19 de setembro de 1939), pedi autorização ao Arcebispo de Vilnius para distribuí-los com a informação sobre a origem do terço que estava na imagem, à qual ele me deu seu consentimento verbal. Foi então que comecei a divulgar o culto privado desta imagem e as orações fornecidas pela Irmã Faustina e aprovadas pela Igreja em Cracóvia. Depois de esgotada a edição de Cracóvia, precisei fazer cópias, e vendo que não conseguia dar conta da numerosa demanda, pedi à Cúria Metropolitana de Vilnius a autorização para reproduzi-los, acrescentando na primeira página certas explicações sobre o conteúdo da imagem, e as seguintes assinaturas: o censor, Pe. Leo Zebrowski de 6 de fevereiro de 1940, Dom Kazimierz Michalkiewicz e o tabelião da Cúria, Pe. J. Ostrejko, datado de 7 de fevereiro de 1940, com o número Nr 35.
Quando Irmã Faustina ainda estava em Vilnius, ela disse que sentia uma urgência interior de deixar a Congregação das Irmãs de Nossa Senhora Mãe da Misericórdia para fundar uma nova congregação. Considerei esta urgência como uma tentação e a aconselhei a não levar a sério. Depois disso, nas cartas de Cracóvia, ela continuou a escrever sobre esta urgência e finalmente obteve a permissão de seu novo confessor e sua Superiora Geral para sair, desde que eu consentisse. Tive medo de assumir a minha responsabilidade e escrevi de volta que só concordaria se o confessor de Cracóvia e a Superiora Geral não apenas permitissem, mas ordenassem que saísse. Faustina não recebeu tal ordem e por isso se acalmou e permaneceu em sua Congregação até sua morte.
Em 1938 cheguei a Cracóvia para o Congresso Teológico que se realizava em meados de setembro, e depois encontrei Irmã Faustina no hospital de doenças contagiosas no bairro Prądnik, já prestes a morrer. Eu a visitei durante a semana e, entre outros assuntos, falei sobre essa congregação que ela queria fundar e agora está morrendo, mostrando que foi uma ilusão, talvez também tenha sido uma ilusão de todas as outras coisas que ela falou. Faustina prometeu falar sobre isso com Jesus na oração. No dia seguinte, enquanto celebrava a santa Missa em sua intenção, me veio à mente que, assim como ela não soube pintar aquela imagem e por isso se limitou a dar indicações de como deveria ser, assim também, ela não teria condições de fundar uma nova congregação, ela poderia apenas dar algumas orientações; a urgência porém significa uma necessidade de fundá-la em um futuro próximo. Quando cheguei ao hospital e perguntei se ela tinha alguma coisa a dizer sobre esse assunto, ela respondeu que não precisava dizer nada, porque o Senhor Jesus havia me iluminado durante a santa Missa. Em seguida, acrescentou que eu deveria, acima de tudo, tentar obter a instituição da Festa da Divina Misericórdia no primeiro domingo depois da Páscoa, que eu não deveria me preocupar muito com a nova congregação, pois por meio de certos sinais eu descobriria quem, e o que deveria fazer nesta questão. Disse também que a homilia que fiz naquele dia na rádio não havia sido uma intenção pura (de fato, foi assim), mas deveria me preocupar principalmente com esta intenção em toda esta obra. Mencionou que ela me via à noite, em uma pequena capela de madeira recebendo votos das seis primeiras vocacionadas para esta congregação; que ela morreria em breve e que tudo o que ela tinha para dizer e escrever já estava feito. Antes disso, ela me descreveu a aparência da pequena igreja e da casa da primeira congregação e lamentou o destino da Polônia, que ela tanto amava e pela qual rezava com frequência.
Seguindo o conselho de São João da Cruz, quase sempre tratei com indiferença as histórias dela e não pedi detalhes. Neste caso, eu também não perguntei qual é o destino da Polônia que ela tanto lamentava. Ela também não me contou, mas suspirando, cobriu o rosto perante a aterrorizante imagem que provavelmente tinha visto naquele momento. Quase tudo o que ela havia previsto sobre a nova congregação aconteceu. Assim foi, por exemplo, quando em 16 de novembro de 1944, em uma cerimônia em Vilnius, recebi os votos religiosos das seis primeiras vocacionadas na capela de madeira das Irmãs Carmelitas, ou quando três anos depois cheguei à primeira casa dessa nova congregação em Myśliborz. Fiquei completamente surpreso com a impressionante semelhança entre o que a Irmã havia previsto e a realidade diante de meus olhos. Ela também previu com detalhes as dificuldades e até as perseguições que eu encontraria em relação à difusão do culto da Divina Misericórdia e os esforços para estabelecer uma festa com esse nome no primeiro Domingo depois da Páscoa (foi mais fácil suportar tudo isso com a convicção de que esta era a vontade de Deus em todo o assunto desde o início). Em 26 de setembro, ela previu sua morte, que morreria em 10 dias, e 5 de outubro morreu. Por falta de tempo não pude ir para o enterro dela.
O que pensar da Irmã Faustina e das visões que ela tinha? Quanto ao seu temperamento natural, ela era uma pessoa perfeitamente equilibrada, sem nenhum indício de psiconeurose ou histeria. Naturalidade e simplicidade caracterizavam suas relações, tanto com as irmãs da Congregação quanto com os estranhos. Não havia artificialidade e teatralidade nela, nenhuma extorsão ou desejo de chamar a atenção para si mesma. Pelo contrário, procurava não se distinguir dos outros e não contou a ninguém sobre suas experiências místicas, exceto para seu confessor e superiores. Sua afetividade era normal, com total autocontrole, não deixava transparecer suas mudanças de humor e emoção. Em situações de fracasso, nunca ficou depressiva ou irritada, pois sabia suportá-los com calma e tranquilidade, submetendo-se humildemente à vontade de Deus.
Quanto à sua condição mental, ela era prudente e tinha bom senso das coisas, apesar da falta de escolaridade, cometia muitos erros, pois mal sabia ler e escrever. Ela dava conselhos precisos a suas irmãs quando se dirigiam a ela. Eu mesmo, para testá-la, apresentei-lhe algumas dúvidas que eu tinha, e ela sempre me explicava com muita precisão. Sua imaginação era rica, mas não exagerada. Muitas vezes ela não sabia distinguir entre o que era imaginação e o que era sobrenatural, especialmente quando se tratava de memórias do passado. No entanto, quando chamei sua atenção para isso e pedi que escrevesse no diário apenas o que ela poderia jurar que não era fruto de sua imaginação, ela acabou relatando muitas lembranças antigas.
Quanto ao aspecto moral, ela era muito sincera, não exagerava nem mentia. Ela sempre dizia a verdade, embora às vezes isso a levasse a situações desagradáveis. No verão de 1934, estive ausente por várias semanas, e Faustina não confidenciou suas experiências a outros confessores. Ao retornar, descobri que ela havia queimado seu diário devido às seguintes circunstâncias: aparentemente um anjo apareceu e lhe disse para jogar suas memórias no fogo, dizendo: Você está escrevendo bobagens que trarão a você e a outros grandes problemas. Que lucro você tem de toda essa misericórdia? Por que perder tempo escrevendo sobre delírios? Queime tudo, e você ficará mais calma e feliz! Faustina não tinha a quem consultar e, quando a visão se repetiu, ela fez o que o suposto anjo lhe dissera. Depois que ela percebeu que tinha agido errado, ela me contou tudo, e a meu pedido, escreveu novamente tudo o que havia queimado.
Quanto às virtudes sobrenaturais, ele fez um progresso notável. Embora desde o início eu visse nela virtudes firmes e comprovadas como: pureza, humildade, zelo, obediência, pobreza e amor a Deus e ao próximo; seu desenvolvimento gradual e constante também pôde ser notado facilmente; principalmente no final de sua vida, era visível a intensificação do amor de Deus, manifestado em seus poemas. Hoje não me lembro exatamente do conteúdo de seus versos, mas o que me lembro é como fiquei maravilhado ao lê-los, em 1938, principalmente pelo conteúdo (não pela forma).
Certa ocasião, vi Faustina em êxtase: isso foi em 2 de setembro de 1938, quando a visitei no hospital de Prądnik e fui me despedir dela antes de voltar a Vilnius. Depois de caminhar um pouco, lembrei-me de que havia trazido para ela várias dezenas de cópias das orações (novena, ladainha, terço) sobre a Divina Misericórdia publicadas em Cracóvia. Voltei imediatamente para entregá-los. Quando abri a porta do quarto em que ela estava, vi-a imersa em oração, sentada, mas quase flutuando sobre a cama. Sua visão estava fixa em algum objeto invisível, pupilas levemente dilatadas, até então ela não percebeu minha entrada, e eu não queria incomodá-la e tentei dar um passo para trás; mas logo ela voltou a si, me viu e se desculpou por não ter ouvido quando bati na porta e quando entrei. Dei-lhe as orações e disse adeus, e ela disse: Vejo você no céu! Então, quando a visitei pela última vez em 26 de setembro em Łagiewniki, ela não quis mais falar comigo ou talvez não pudesse, dizendo: Estou ocupada com meu Pai Celestial. Na verdade, ela já parecia um ser sobrenatural. Eu já não tinha dúvidas de que o que estava escrito em seu diário sobre a Sagrada Comunhão ministrada por um Anjo no hospital, correspondia à realidade.
Quanto ao assunto das visões de Faustina, não há nada que seja contrário à fé, aos bons costumes ou às opiniões contestadas entre os teólogos. Pelo contrário, tudo se destinava a conhecer e amar melhor a Deus. A pintura é reproduzida artisticamente e constitui uma valiosa contribuição para a arte religiosa contemporânea (Protocolo da Comissão sobre a avaliação e conservação da imagem do Salvador Misericordioso na Igreja de São Miguel em Vilnius em 27 de maio de 1941, assinado pelos especialistas: Dr. M. Morelowski, prof. Dogm. Pe. Dr. L. Puciata e conservador Pe. Dr. P. Śledziewski). O culto privado da Divina Misericórdia (nas formas da novena, da ladainha e do terço) e o culto público (na forma da celebração da Festa da Misericórdia), não somente vão de acordo com os dogmas e a liturgia, mas também explicam as verdades da nossa fé. Procura apresentar, de forma acessível a todos, o que só estava presente na liturgia, desde os seus primórdios; ou seja, procura ressaltar e apresentar ao mundo inteiro aquilo sobre o qual os Padres da Igreja já escreveram extensivamente, que o autor da Liturgia quis expressar, e que hoje a miséria humana tanto precisa. A intuição de uma simples religiosa, que mal conhecia o catecismo, em coisas tão sutis, tão pertinentes e correspondentes à psicologia da sociedade atual, não podia ser explicada senão por iluminação e ação sobrenatural. Muitos teólogos, depois de longos estudos, não seriam capazes de resolver essas dificuldades com a mesma precisão e facilidade que Irmã Faustina o fez.
É certo que a ação sobrenatural na alma de Faustina era muitas vezes acompanhada por sua imaginação humana, bastante viva, e consequentemente algumas coisas eram inconscientemente distorcidas por ela. Mas isso acontecia com todas as almas desse tipo, como mostram suas biografias; basta mencionar, por exemplo, Santa Brígida, Catarina Emmerich, Maria de Ágreda, Santa Joana d’Arc, etc. Isso explica a inconsistência da descrição de Faustina sobre seu ingresso no convento com o testemunho da reverenda Madre Geral, Michaela Moraczewska, e talvez outras expressões semelhantes em seu diário. De qualquer forma, são eventos passados, que ambas as partes podem ter esquecido ou os alterado levemente, o que não é tão importante.
Os efeitos das visões de Faustina em sua alma e nas almas de outras pessoas superaram todas as expectativas. Enquanto no início Faustina estava um pouco assustada, temia a possibilidade de seguir as ordens recebidas nas visões e as evitava, aos poucos se acalmou e alcançou um estado de total segurança, certeza e profunda alegria interior. Tornava-se cada vez mais humilde e obediente, cada vez mais unida a Deus e paciente, concordando plenamente e em tudo com a Sua vontade. Provavelmente não há necessidade de insistir sobre os efeitos positivos dessas revelações nas almas de outras pessoas, porque os fatos falam por si próprios. Numerosas ofertas votivas (cerca de 150) à imagem do Salvador Misericordioso em Vilnius e muitas outras cidades, testemunham suficientemente as graças concedidas aos devotos da Misericórdia de Deus, tanto no país como no exterior. De todos as partes, há notícias e histórias maravilhosas dos feitos da misericórdia de Deus, muitas vezes de natureza claramente milagrosa.
Resumindo tudo o que foi escrito acima, poderíamos facilmente tirar uma conclusão, mas como a decisão final nesta matéria depende de uma instituição infalível na Igreja, humildemente submetemo-nos a ela e aguardemos com calma a sua decisão.
Pe. Michał Sopoćko
Białystok, 27 de janeiro de 1948
Tradução: Robert Janowski
Revisão gramatical: Ada Nunes Krukar
Revisão final: Maida Tavares da Silva
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[1] Imprimatur – é um termo latino (imprimatur – que se imprima) que se refere à permissão ou autorização concedida por autoridades eclesiásticas para que determinado texto seja impresso. Essa autorização deve então figurar no verso da página de rosto ou do anterrosto.