Apóstola da Divina Misericórdia, Secretária de Jesus Misericordioso, Profeta dos nossos tempos, grande Mística, Mestra da vida espiritual – estes são os títulos geralmente associados ao nome de Santa Faustina Kowalska, da Congregação das Irmãs de Nossa Senhora Mãe da Misericórdia. Seu nome figura entre os santos mais queridos e amados, incluindo-se também no índice dos maiores místicos da história da Igreja.
Nasceu em 25 de agosto de 1905 na aldeia de Głogowiec, sendo a terceira de dez filhos do casal Stanisław e Marianna Kowalski. Dois dias depois, foi batizada na igreja paroquial de Świnice Warckie e recebeu o nome de Helena. Com a idade de 9 anos, recebeu a Primeira Comunhão. Frequentou a escola por menos de três anos e, a seguir, passou a trabalhar como empregada doméstica para famílias ricas em Aleksandrów Łódzki e Łódź. Desde os sete anos de idade, sentia-se chamada ao serviço de Deus, porém seus pais não aprovavam a ideia de que entrasse num convento. Impelida pela visão de Cristo sofredor, partiu para Varsóvia em julho de 1924 a fim de encontrar lugar em um convento. Durante ainda um ano, trabalhou como empregada doméstica para juntar o dinheiro necessário para um dote modesto, até, finalmente, ingressar na Congregação das Irmãs de Nossa Senhora Mãe da Misericórdia, na rua Żytnia, em Varsóvia, no dia 1o de agosto de 1925.
Nesta Congregação, viveu durante 13 anos, trabalhando em diversas casas, estando por mais tempo em Cracóvia, Varsóvia, Płock e Vilnius, onde exerceu as funções de cozinheira, vendedora na padaria do convento, jardineira e porteira. Sofria de tuberculose pulmonar e intestinal e, por essa razão, passou mais de 8 meses internada no hospital de Prądnik em Cracóvia. Sofrimentos maiores do que aqueles causados pela tuberculose foram os causados pela aceitação voluntária de sacrificar-se pelos pecadores e de tornar-se apóstola da Divina Misericórdia. No entanto, experimentou também muitas graças extraordinárias: revelações, êxtases, dom de bilocação, estigmas ocultos, leitura das almas, noivado e casamento místico com Jesus.
A principal tarefa da Irmã Faustina era transmitir à Igreja e ao mundo a mensagem da Misericórdia, que é um lembrete da verdade bíblica sobre o amor misericordioso de Deus para cada ser humano, um chamado para confiar-Lhe sua vida e seu amor ativo ao próximo. Jesus não só lhe revelou a profundidade da Sua misericórdia, como também lhe deu novas formas de devoção: a imagem com a inscrição “Jesus, eu confio em Vós”, a Festa da Misericórdia, o Terço da Divina Misericórdia e o pedido de Jesus de que toda a humanidade rezasse no momento de Sua agonia na Cruz, a chamada Hora da Misericórdia. A cada uma dessas devoções, como também à divulgação da mensagem da Misericórdia, Jesus associou grandes promessas, sob a condição de se assumir uma atitude de confiança em Deus, isto é, cumprir a Sua vontade e ser misericordioso para com o próximo.
Irmã Faustina faleceu em 5 de outubro de 1938, no convento da Congregação das Irmãs de Nossa Senhora Mãe da Misericórdia, no bairro de Łagiewniki, na cidade de Cracóvia, tendo apenas 33 anos de idade. A partir de seu carisma e de sua experiência mística, nasceu o Movimento Apostólico da Divina Misericórdia, que continua a sua missão, anunciando ao mundo a mensagem da Misericórdia por meio de testemunho de vida, atos, palavras e oração. Em 18 de abril de 1993, o Papa João Paulo II elevou-a à glória dos altares e em 30 de abril de 2000, ela foi canonizada, passando a fazer parte do elenco dos santos da Igreja. Suas relíquias são mantidas no Santuário da Divina Misericórdia, em Łagiewniki, na cidade de Cracóvia.
O Papa João Paulo II escreveu que, na era dos grandes totalitarismos, a Irmã Faustina tornou-se a porta-voz da mensagem de que a verdade da misericórdia de Deus é a única força capaz de neutralizar o mal causado por eles. Além disso, chamou o Diário de Santa Faustina de o evangelho da misericórdia escrito na ótica do século XX, responsável por permitir que as pessoas pudessem sobreviver à dolorosa experiência daqueles tempos. Esta mensagem – disse o Papa Bento XVI – é de fato a principal mensagem dos nossos tempos: a misericórdia como poder de Deus, como a fronteira Divina contra o mal cometido no mundo inteiro.
- Uma criança abençoada
Casa da família Kowalski em Głogowiec
Stanisław Kowalski e Marianna Babel Kowalska, após seu casamento, compraram alguns acres de terra na aldeia Głogowiec, longe das rotas comerciais e de cidades. Logo construíram ali uma casa e instalações para atividade agrícola. Todos os seus filhos foram batizados na igreja paroquial de São Casimiro em Świnice Warckie. Lá também receberam a Primeira Comunhão e participavam da Santa Missa aos domingos e festas. Em 27 de agosto de 1905, o Padre Józef Chodyński escreveu no livro tombo paroquial: Às 13 horas do dia 27 de agosto de 1905, em Świnice, Stanisław Kowalski, agricultor de 40 anos, acompanhado por Franciszek Bednarek, de 35 anos, e Józef Stasiak, de 40 anos, também agricultores de Głogowiec, apresentou-nos uma criancinha do sexo feminino, nascida de sua esposa, Marianna Kowalska, de 30 anos, em 25 de agosto de 1905, às oito horas da manhã, na aldeia de Głogowiec. Durante seu batismo, realizado na data de hoje, a criança recebeu o nome de Helena, tendo como padrinhos Konstanty Bednarek e Marianna Szewczyk Szczepaniak.
Na casa da família Kowalski, a vida corria num ritmo sereno, no qual o trabalho vinha depois da oração, e nunca o contrário. Em primeiro lugar vinha Deus, e não apenas aos domingos ou por ocasião das celebrações familiares, mas todos os dias. O pai, já de manhã cedo, cantava “Godzinki” (uma oração em honra a Nossa Senhora) ou outras canções religiosas. Quando a mãe o repreendia dizendo que seu canto acordaria as crianças, ele respondia: Eles têm que aprender desde pequenos que Deus é o mais importante. Nas paredes da casa, havia imagens religiosas, e no lugar central do dormitório, um altar com um crucifixo e duas estatuetas de barro, representando o Sagrado Coração de Jesus e o Imaculado Coração de Maria. Ao anoitecer, todos se ajoelhavam para rezar juntos. Nos meses de maio, diante de uma capelinha no jardim, cantavam a Ladainha de Nossa Senhora e, em outubro, ali rezavam o terço. Nas tardes de domingo, o pai lia para a família as biografias dos santos, contidas na sua pequena biblioteca doméstica.
O pai, além de trabalhar como agricultor, também tinha uma oficina de carpinteiro; era exigente consigo mesmo e com seus filhos, e não encobertava nem mesmo os seus pequenos deslizes. A mãe cuidava da casa e era responsável pela criação dos filhos. Desde seus primeiros anos de vida, com uma delicadeza toda sua, ensinava-lhes como ajudar nos trabalhos domésticos e no campo, bem como a responsabilidade no cumprimento das tarefas a eles confiadas. Embora não soubesse ler, era ela que lhes ensinava as verdades da fé e os princípios morais, preparando-os para a Primeira Comunhão.
Em tal clima familiar, crescia a pequena Helena, escolhida desde a eternidade por Deus para ser a profeta dos nossos tempos. De fato, havia nela algo que a diferenciava de seus irmãos e amigos. Sua mãe percebeu que ela gostava muito de rezar, inclusive à noite, quando acordava, e, ajoelhada, rezava. Quando sua mãe tentava conter essas aspirações pela oração noturna, dizendo à filha que temia que ela ficasse psicologicamente perturbada por não dormir direito e levantar-se a toda hora, Helena dizia: Mamãe, acho que é um anjo que me acorda para que eu não durma, mas reze.
Igreja paroquial em Świnice Warckie
Quando tinha sete anos, Helena experimentou pela primeira vez o amor de Deus de forma tangível: Uma vez, no ofício das vésperas – recordou anos mais tarde – Nosso Senhor estava exposto no ostensório, e então, pela primeira vez, foi-me concedido o amor Divino que encheu o meu pequeno coração. O Senhor concedeu-me a compreensão das coisas de Deus (Diário, 1404). Preparou-se para a Primeira Comunhão com grande entusiasmo, e recebeu-a em uma missa celebrada pelo Pe. Roman Pawłowski na sua paróquia. Ao voltar para casa, consciente da presença de Deus dentro de sua alma, encontrou uma vizinha que lhe perguntou por que não estava acompanhada de suas amigas, mas sim sozinha, ao que ela respondeu: Não estou vindo sozinha, Jesus está aqui comigo. Helena já possuía essa sensibilidade à presença de Deus vivo em sua alma desde a infância, o que foi crescendo ao longo de sua vida, tal qual a sensibilidade às necessidades dos outros.
Ainda quando criança pequena, já se destacava por seu senso de misericórdia. Via, ao seu redor, as pessoas pobres e necessitadas que visitavam a aldeia pedindo um pedaço de pão e esmola e ela não apenas os enxergava, mas também pensava em como ajudá-los. Numa dessas ocasiões, realizou um sorteio; em outra oportunidade, vestindo as roupas velhas de sua mãe e passando-se por mendiga, passou de casa em casa pedindo dinheiro, entregando em seguida o que recolheu ao pároco, para que ele distribuísse aos pobres. Todo mundo a amava – recordou sua mãe – ela foi escolhida, e era a melhor dentre todos os filhos. Humilde e mansa, pronta para fazer qualquer trabalho e ajudar a todos e, ao mesmo tempo, alegre e sempre sorridente.
A bondade da pequena Helena, sua sensibilidade em relação a Deus e às pessoas como também sua grande obediência não foram notadas apenas pelos pais: Vocês têm uma filha tão humilde e inocente – elogiava a vizinha Marianna Berezińska, ao passo que dizia na aldeia: Ah, a Marianna tem uma filha escolhida por Deus. Os irmãos e amigos também notavam nela algo especial. Percebiam que ela pensava de forma diferente, que se mantinha distante das brincadeiras da aldeia e que gostava de oração e de livros sobre os santos. Mais tarde, seu irmão Stanisław recordaria: Desde muito pequena, gostava de contar histórias sobre santos, peregrinos e eremitas que se alimentavam somente com raízes, mel e frutas silvestres. Querendo agradar nosso pai, pegava da nossa pequena biblioteca doméstica as biografias dos santos ou outros livros religiosos e os lia em voz alta. Ao ler as histórias dos eremitas e missionários, conseguia memorizá-las de tal maneira, que no dia seguinte, pastoreando o gado, era capaz de recontá-las a nós e a outros com precisão. Dizia a nós, crianças, que quando fosse adulta, entraria num convento, e nós ríamos. Nós não a entendíamos.
Em 1917, quando aquela região foi libertada da ocupação russa, Świnice Warckie passou a contar com ensino fundamental e Helena começou a frequentar a escola. Já sabia ler, pois seu pai lhe havia ensinado, mas ali tinha a oportunidade de aprender algo mais. Era talentosa e não tinha dificuldade para assimilar conhecimento, porém, depois de quase três anos, teve que deixar a escola para liberar a vaga para crianças menores. Como em casa a vida era modesta, seguindo o exemplo das irmãs mais velhas, saiu para prestar serviços domésticos em casas de famílias ricas.
- Um brilho extraordinário
Helena Kowalska
Aos dezesseis anos, Helena despediu-se de seus pais e irmãos pela primeira vez, deixando a casa familiar. Viajou para a cidade de Aleksandrów Łódzki, onde Leokadia e Kazimierz Bryszewscy tinham uma padaria e um mercadinho na rua Parzęczewska, número 30 (hoje, rua 1o de Maio, número 7). Eles precisavam de ajuda para cuidar da casa e de seu filho único, Zenon, que mais tarde recordaria: Minha mãe atendia os clientes no mercearia, e Heleninha limpava a casa, ajudava na cozinha, lavava a louça, colocava o lixo para fora e trazia água, já que não tínhamos água encanada. Também servia as refeições para os funcionários da padaria que estavam sob a responsabilidade dos meus pais. E quando o tempo permitia, ela brincava comigo. Deve ter tido muito trabalho, porque a casa tinha quatro cômodos, além do mercado e da padaria.
Certo dia, Helena viu ali uma grande claridade. Pensando que fosse um incêndio, causou um grande tumulto, justamente quando os padeiros estavam colocando os pães no forno. O alarme era falso. Logo após este evento misterioso, voltou para Głogowiec e pediu aos pais permissão para entrar no convento. O casal Kowalski, embora muito piedoso, não queria entregar sua melhor filha. Alegando falta de dinheiro para um dote, recusaram-se a lhe dar permissão. Helena então voltou a prestar serviços domésticos, mas, desta vez, em Łódź. No início morou na casa de seu tio Michał Rapacki, na rua Krośnieńska, número 9, e trabalhava para três terciárias franciscanas. Ao assumir este trabalho, fez uma observação, dizendo que precisaria ter um tempo reservado para a Missa diária e para visitar os doentes e moribundos e que gostaria de ser acompanhada pelo confessor delas.
No dia 2 de fevereiro de 1923, recebeu uma oferta, por meio de uma agência de emprego, para trabalhar, cuidando dos três filhos de Marcjanna Sadowska, proprietária de um mercadinho e foi até o seu apartamento para fazer a entrevista. Quando eu saía de casa – declarou uns anos depois a Senhora Sadowska sobre sua empregada – podia ficar tranquila, porque ela cuidava da casa melhor do que eu. Era simpática, educada e trabalhadora. Não posso dizer nada contra ela, porque era boa demais. Era tão boa que não existem palavras para descrevê-la. Cuidava não só dos filhos da sua patroa, mas também dos necessitados, que não faltavam naquela época. No porão da casa onde vivia, morava também um homem doente. Helena não só tratava de dar-lhe comida e servir-lhe quando necessário, como também cuidava da sua salvação, trazendo-lhe um sacerdote para visitá-lo.
Parque Veneza
Quando completou 18 anos, pediu novamente aos pais permissão para entrar no convento, e uma vez mais deparou-se com sua resposta negativa. Depois desta recusa – escreveu em seu diário – voltei-me às vaidades da vida, não prestando nenhuma atenção à voz da graça, embora minha alma não encontrasse satisfação em nada disso. O contínuo chamado da graça era para mim um grande sofrimento que eu procurava abafar com diversões (Diário, 8). Não recusou então o convite de suas irmãs para participar de um baile no parque Veneza. No momento em que comecei a dançar – escreveu no diário – de repente, vi Jesus ao meu lado. Jesus sofredor, despojado de suas vestes, todo coberto de chagas e que me disse estas palavras: “Até quando hei de ter paciência contigo e até quando tu Me desiludirás?” (Diário, 9). Sob o pretexto de uma dor de cabeça, rapidamente deixou o baile e foi até a igreja mais próxima – a catedral de Santo Estanislau Kostka. Lá, prostrou-se diante do Santíssimo Sacramento e perguntou ao Senhor o que devia fazer a seguir. Vai imediatamente a Varsóvia e lá entrarás no convento – ouviu como resposta. Sem pedir o consentimento de seus pais, arrumou suas coisas e partiu para a capital.
Já em Varsóvia, Helena pede ajuda ao Pe. Jakub Dąbrowski, pároco da igreja de São Tiago, que a envia juntamente com uma recomendação por escrito a seus conhecidos Aldona e Samuel Lipszyc, que moravam em Ostrówek, no município de Klembów, e precisavam de ajuda para cuidar dos filhos. Lá Helena encontrou um refúgio, onde permaneceu trabalhando por um ano para ganhar um modesto dote conventual. Lembro-me dela com seu sorriso alegre e saudável – recordou depois de anos a Senhora Aldona Lipszyc – Cantava muito. Quando penso nela, logo penso na música que ela mais frequentemente cantava, que era aquela: “A Jesus escondido, devo adorar no Santíssimo Sacramento…”.
Na casa dos Lipszyc, Helena era tida como parte da família; todos gostavam muito dela e a respeitavam, pois era trabalhadora, alegre, sabia cuidar das crianças, enfim, tinha todos os atributos necessários para ser uma boa esposa e mãe, o que fazia com que a Sra. Lipszyc quisesse casá-la. Mas Helena sentia que seu coração era tão grande que nenhum amor humano poderia satisfazê-lo, somente Deus. Isto ocorreu durante a oitava de Corpus Christi. Deus encheu a minha alma de luz interior e de um melhor conhecimento d’Ele como sumo bem e suma beleza – escreve ela depois de vários anos, descrevendo o maior acontecimento de sua estadia em Ostrówek – Compreendi quanto Deus me amava. É eterno o Seu amor para comigo. Foi durante a recitação das Vésperas; com palavras simples, que fluíam do meu coração, fiz a Deus o voto de castidade perpétua. Desde esse momento, passei a sentir-me mais próxima de Deus, meu Esposo. Desde esse momento, fiz uma pequena cela em meu coração, onde sempre me encontrava com Jesus (Diário, 16).
- “Aqui te chamei”
Madre Michaela Moraczewska
Em Varsóvia, buscou lugar em vários conventos, mas em todos teve seu ingresso recusado. Por fim, chegou ao convento das Irmãs de Nossa Senhora Mãe da Misericórdia. Miúda, não tão jovem, de físico bastante frágil, empregada doméstica, cozinheira de profissão, e além de não ter o dote, não tem nem mesmo um enxoval. Nada extraordinária, apenas apresentou-se aqui uma moça miserável, frágil, pobre, inexpressiva, sem nada de promissor – assim Madre Małgorzata Gimbutt descreveu a primeira impressão que teve de Helena à Madre Superiora Geral, Leonarda Cielecka, que relutantemente aceitava pessoas provenientes desta classe na Congregação. Madre Michaela Moraczewska, que era a superiora da casa em Varsóvia, estando presente nesta conversa, propôs conversar pessoalmente com a candidata. Através da porta semiaberta para a sala de visitas, viu uma menina modesta e vendo sua aparência um pouco descuidada, a princípio pensou em dispensá-la. No entanto, ao lembrar-se das exigências do amor ao próximo, achou que primeiro deveria pelo menos conversar com ela. Notou, então, que a candidata se apresentava adequadamente e se dispôs a aceitá-la, mas ordenou que primeiro perguntasse ao Senhor da casa se Ele a aceitava. Helena entendeu que deveria ir à capela. Durante a oração, ouviu as seguintes palavras: Eu te aceito, tu estás no Meu Coração (Diário, 14). Quando voltou da capela à sala de visitas e repetiu tais palavras à Madre Superiora, ela respondeu: Se o Senhor te aceitou, eu também te aceito. Contudo, a pobreza de Helena ainda era um obstáculo à sua entrada imediata no convento. Por esta razão, a Madre Superiora aconselhou-a a permanecer no seu emprego por mais um tempo até ganhar o suficiente para um modesto dote, aproveitando aquele tempo para fortalecer ainda mais a sua vocação.
Casa da Congregação das Irmãs de Nossa Senhora Mãe da Misericórdia na rua Żytnia, em Varsóvia
Em 1o de agosto de 1925, na véspera da festa de Nossa Senhora dos Anjos, chegou o momento tão desejado no qual Helena Kowalska atravessaria a porta da clausura do convento. Sentia-me imensamente feliz – escreveu no Diário – parecia que havia entrado na vida do paraíso. O meu coração só era capaz de uma contínua oração de ação de graças (Diário, 17). Mas logo depois de três semanas no convento, notou que ali não havia muito tempo para a oração, e, portanto, começou a querer ir para uma “ordem mais rigorosa”. À noite, quando estava rezando prostrada em sua cela, viu a face dolorosíssima de Jesus e perguntou: Quem Vos infligiu tanta dor? – Tu Me infligirás tamanha dor – respondeu Jesus – se saíres desta Congregação. Chamei-te para este e não para outro lugar e preparei muitas graças para ti (Diário, 19). Pediu perdão a Jesus e imediatamente mudou a decisão tomada.
Depois de algumas semanas morando no convento, a Madre Superiora enviou a postulante Helena, juntamente com duas outras irmãs, a Skolimów, nos arredores de Varsóvia, para restabelecer sua saúde, abalada devido aos jejuns frequentemente praticados em casa e no trabalho, como também às fortes emoções espirituais relacionadas com seu novo ritmo de vida no convento. Em Skolimów, perguntou a Jesus por quem deveria rezar. Como resposta, teve uma visão do purgatório, e foi-lhe dado conhecer que o maior sofrimento das almas que ficavam neste lugar enevoado e cheio de fogo era a saudade de Deus. Ouviu, então, uma voz interior que disse: A minha misericórdia não deseja isto, mas a justiça o exige (Diário, 20). A partir daquele momento, Helena rezava com mais fervor pelas almas do purgatório, desejosa de ir em seu auxílio, e Deus lhe permitia entrar em um contato mais próximo com elas.
A mestra do postulantado – primeira etapa da vida religiosa – era a Madre Janina Olga Bartkiewicz, que mostrava muito carinho pelas novas postulantes que se preparavam para a vida religiosa, mas, ao mesmo tempo, era muito exigente e as conduzia com mão de ferro. A Madre Janina dizia que Helena tinha uma vida interior especial e que devia ser uma alma agradável a Jesus. A Irmã Szymona Nalewajk, que era companheira de postulantado de Helena, admirava sua postura, pois aceitava quaisquer observações ou humilhações com humildade e atenção, sem discutir. Fiquei espantada – escreveu mais tarde – que uma postulante novata tivesse tanto autocontrole e bondade. Este comportamento foi ditado pela sua fé viva e por seu cuidado em se tornar semelhante a Jesus, confiante no Pai Celeste até à cruz e, ao mesmo tempo, manso e humilde durante toda a sua vida, amando a todos com amor paciente, compreensivo e sacrificial.
Helena passou os últimos meses do postulantado na casa do noviciado em Cracóvia, onde chegou no dia 23 de janeiro de 1926. A mestra de noviças era então a Madre Małgorzata Gimbutt, pessoa de oração, mansa e humilde, que, zelosamente, praticava várias mortificações e, assim, por meio de seu próprio exemplo, educava as jovens irmãs a ela confiadas. Foi ela que preparou Helena para a chamada investidura e guiou-a nos primeiros meses de noviciado.
“De agora em diante, serás chamada Irmã Maria Faustina”
Convento da Congregação das Irmãs de Nossa Senhora Mãe da Misericórdia em Cracóvia
De agora em diante, já não serás chamada por teu nome de batismo; serás chamada Irmã Maria Faustina. Foram estas as palavras ouvidas por Helena durante sua cerimônia da vestidura no dia 30 de abril de 1926. Durante esta cerimônia, ela desmaiou duas vezes. Irmã Klemensa Buczek, que ajudou-a a tirar o vestido branco e o véu e a colocar a veste religiosa, achou que os desmaios haviam ocorrido devido às fortes experiências interiores relacionadas com o abandono do mundo. Na realidade, naquele momento, Deus lhe deu a conhecer o quanto haveria de sofrer, o que se comprovou depois. Durante a celebração, ela viu claramente com o que estava se comprometendo. Este sofrimento durou um minuto, e Deus novamente inundou sua alma com grandes consolos.
Após menos de dois meses de noviciado da Irmã Faustina, houve uma mudança no cargo da mestra de noviças. Em 20 de junho de 1926, a Madre Małgorzata Gimbutt foi substituída pela Madre Józefa Brzoza, que foi preparada para exercer esta função em Laval, onde a fundadora da Congregação, Madre Teresa Ewa, da família de príncipes Sułkowski, tendo sido casada com o conde de Potocki, ali se inspirou para criar os modelos de vida religiosa e trabalho apostólico na Polônia. O profundo conhecimento e a experiência pessoal da mestra fizeram com que ela introduzisse de forma certeira suas noviças na vida espiritual, ensinando-lhes um conhecimento profundo de Deus, da oração e da vida ascética, para que a religiosidade não fosse emocional e superficial, mas firme e capaz de conduzir a uma união cada vez mais plena com Deus no caminho da obediência, da humildade, da caridade sacrificial pelo próximo e do zelo pela salvação das almas confiadas aos cuidados apostólicos da Congregação.
Irmã Faustina, diligentemente, aproveitava os ensinamentos da mestra de noviças e cumpria com muito cuidado todas as tarefas a ela confiadas. No noviciado estivemos juntas por um ano – recorda a Irmã Krescencja Bogdanik, que já estava há mais tempo no noviciado – e eu via que a Irmã Faustina cumpria todos os seus deveres com muito zelo. Sendo noviça há mais tempo, eu era tutora dela (na vida religiosa, era o que chamamos de “Anjo”). Fiquei responsável por introduzi-la no ritmo da vida religiosa, e me admirava ao ver como ela compreendia tudo tão rapidamente. Não precisava repetir nada para ela duas vezes, como normalmente acontecia com outras noviças. Ao mesmo tempo, sempre era possível observar uma alegria de criança em seu rosto.
Neste período, a Irmã Faustina falava com muita frequência sobre a misericórdia de Deus – recorda a Irmã Szymona Nalewajk – e eu, fazendo-lhe oposição, salientava a justiça Divina. E ela sempre ganhava de mim com seus argumentos. As Irmãs, brincando, chamavam-na de “advogada”, porque sabia conduzir as conversas para as verdades sobre Deus. Gostavam dela, e nos momentos de recreação a cercavam, cada qual querendo estar perto dela, porque seus pensamentos e conversas eram voltados para Deus, e ao mesmo tempo, era uma pessoa alegre.
Esta alegria foi um pouco apagada no final do primeiro ano de noviciado, quando, em sua vida, começou um período de experiências muito dolorosas, conhecidas como a noite passiva dos sentidos. No final do primeiro ano de noviciado – escreveu no Diário – começou a escurecer dentro da minha alma. Não sentia nenhum consolo na oração, tinha que fazer um grande esforço para a meditação, o medo começou a tomar conta de mim. Penetrando mais profundamente em mim mesma, nada vi além de uma grande miséria. Vi também claramente a grande santidade de Deus; não tinha coragem de levantar os olhos para Ele, mas lançava-me por terra a Seus pés, implorando misericórdia. Não compreendia nada daquilo que lia, não era capaz de meditar. Parecia-me que a minha oração não era agradável a Deus. Ao receber os santos sacramentos, imaginava que, com isso, ofendia ainda mais a Deus. Contudo, o confessor não permitiu que eu abandonasse uma só santa Comunhão. Deus agia de maneira surpreendente na minha alma. Eu não compreendia absolutamente nada do que o confessor me dizia. Verdades simples da fé tornavam-se incompreensíveis para mim; a minha alma se atormentava por não encontrar satisfação em nada. Num certo momento, tive a firme ideia de ter sido rejeitada por Deus. Esse pensamento terrível atravessou a minha alma. Nesse sofrimento, a minha alma começou a agonizar. Queria morrer e não podia (Diário, 23).
Madre Józefa Brzoza
Nestas experiências tão dolorosas, Irmã Faustina recebeu o apoio da mestra de noviças, que não apenas discerniu o que se passava na alma da noviça, tarefa nada fácil, mas também aplicou as medidas adequadas. Recomendou que em vez de longas e exaustivas orações, que exigiam muita concentração e engajamento, rezasse jaculatórias e, assim, se abandonasse à vontade de Deus. Explicava que Deus sempre é Pai, embora permita provações, e que estas provações tinham por objetivo preparar sua alma para uma estreita união com Ele.
Nesta noite escura da alma, houve momentos de luz e alegria, nos quais Deus lhe fazia sentir Seu amor, ou a Mãe de Deus vinha em seu socorro. Um destes momentos foi a missa dos seus primeiros votos religiosos, celebrada no dia 30 de abril de 1928 por Dom Stanisław Respond. Neste dia, os pais de Irmã Faustina foram à Cracóvia para se fazerem presentes na celebração. Esse foi o primeiro encontro deles depois de anos. Encontraram sua filha muito alegre e feliz. Está vendo, papai? – disse ao seu pai, que outrora se havia oposto tão firmemente ao seu ingresso no convento – Aquele a quem fiz votos, é meu marido e seu genro. Tal argumento, bem como a felicidade da filha, convenceu os pais e, a partir deste momento, aceitaram sua vida no convento.
Após os primeiros votos, Irmã Faustina permaneceu ainda alguns meses em Cracóvia. Em outubro de 1928, a Congregação realizou uma Assembleia Geral, na qual o cargo de superiora-geral foi confiado à Madre Michaela Olga Moraczewska. Ela era uma pessoa letrada (formou-se em um conservatório de música e falava vários idiomas), de grande espírito (ofereceu sua vida em sacrifício para a salvação das almas) e durante 18 anos guiou a vida espiritual e apostólica de toda a Congregação. Ela, depois das revelações de Irmã Faustina, entregou nas mãos de Maria, Mãe da Misericórdia, o leme da Congregação para que ela a guiasse, como sua superiora-geral celeste. Irmã Faustina confiava muito nela, e foi de grande ajuda no desenvolvimento de sua vocação e uma pessoa providencial no discernimento de sua missão profética.
Nos primeiros anos de juniorato, ou seja, o período após os primeiros votos, Irmã Faustina trabalhou em várias casas da Congregação. No início, na rua Żytnia, em Varsóvia. Em 1929 viajou para Vilnius para substituir a Ir. Petronela Basiura, que havia partido para a chamada Terceira Provação, um período de preparação que antecede os votos perpétuos de castidade, pobreza e obediência, de acordo com a Constituição em vigor na Congregação. Em seguida, retornou para Varsóvia, na rua Żytnia, para, posteriormente, sair de lá novamente e ir para uma casa nova da Congregação em Grochów, na rua Hetmańska. Naquele mesmo ano, foi para Kiekrz, perto de Poznań, para substituir a Irmã Modesta Rzeczkowska, que estava doente, na cozinha. Novamente voltou para Varsóvia, na rua Żytnia, mas não por muito tempo. Devido às circunstâncias – disse a Madre-Geral, explicando o porquê das frequentes transferências – foi necessário transferir seguidamente a Irmã Faustina, de modo que ela trabalhou em quase todas as casas da Congregação. E, assim, depois de uma curta estadia em Varsóvia na rua Żytnia e em Grochów, ela foi novamente transferida para Płock, e de lá por um tempo curto para Biała, onde havia uma colônia agrícola da casa em Płock. Sua principal ocupação em Płock, até sua Terceira Provação, era o trabalho num mercado que vendia o pão de uma padaria local.
- “Pinta uma imagem”
Convento em Płock
Foi justamente no convento de Płock, onde Irmã Faustina permaneceu em maio ou junho de 1930, que sua grande missão profética começou. Era um domingo, 22 de fevereiro de 1931. À noite, quando chegou à sua cela, viu Jesus vestido de branco. Sua mão direita estava erguida para abençoar e a esquerda tocava o peito, do qual saíam dois raios: vermelho e pálido. Depois de um tempo, Jesus disse-lhe: Pinta uma Imagem de acordo com o modelo que estás vendo, com a inscrição: Jesus, eu confio em Vós. Desejo que essa imagem seja venerada primeiramente na vossa capela e depois no mundo inteiro. Prometo que a alma que venerar esta imagem não perecerá. Prometo também, já aqui na terra, a vitória sobre os inimigos, e especialmente na hora da morte. Eu mesmo defenderei como Minha própria glória (Diário, 47- 48).
Irmã Faustina relatou esse acontecimento na sua confissão seguinte, e o padre disse-lhe que pintasse uma imagem de Jesus na sua alma. Mas quando saiu do confessionário Jesus explicou: A Minha imagem já está na tua alma. Eu desejo que haja a Festa da Misericórdia. Quero que essa imagem, que pintarás com o pincel, seja abençoada solenemente no primeiro domingo depois da Páscoa e esse domingo deve ser a Festa da Misericórdia. Desejo que os sacerdotes anunciem essa Minha grande misericórdia para com as almas pecadoras (Diário, 49-50). Com esta confirmação dada pelo próprio Jesus, de que se tratava de uma imagem material, ela apresentou a questão à Superiora local, Irmã Róża Kłobukowska, que por sua vez exigiu um sinal confirmando a veracidade das aparições. Jesus disse à Irmã Faustina que daria um sinal por meio das graças que concederia através da imagem. Irmã Faustina não sabia pintar, mas querendo cumprir o pedido de Jesus, pediu à Irmã Bożenna Pniewska que a ajudasse. Não sabendo pintar – lembra a Irmã Bożenna – e sem saber que se tratava de um novo tipo de imagem, propus dar-lhe uma imagem para escolher, porque eu tinha diversos bonitos santinhos. Ela me agradeceu pela proposta, mas não aceitou.
No convento de Płock, começaram a espalhar-se as informações de uma revelação à Irmã Faustina. As irmãs da comunidade tornaram-se céticas com relação a ela: umas a alertavam de que seriam ilusões, outras comentavam que se tratava de fantasia histérica, enquanto outras constatavam com apreço que ela deveria ser muito próxima de Jesus, uma vez que, com tanta paciência, aguentava todo aquele sofrimento. Contudo, decidi suportar tudo em silêncio, sem dar explicações às perguntas que me eram feitas – escreveu Irmã Faustina em seu Diário – Este meu silêncio irritava especialmente as mais curiosas. Outras – as que pensavam mais profundamente – diziam que, apesar de tudo, a Irmã Faustina deve estar muito perto de Deus, se tem forças para suportar tantos sofrimentos (Diário, 126).
Entretanto, seu maior sofrimento era a incerteza quanto à origem das aparições. As superioras a enviavam aos sacerdotes, e os sacerdotes, às superioras. Irmã Faustina queria que um sacerdote, com sua autoridade, decidisse sobre esta questão e dissesse esta única palavra: Fique tranquila, você está no caminho certo. Ou rejeite tudo isso, porque não provém de Deus (Diário, 127). Nesta situação, tentava evitar o Senhor, e quando Ele vinha a seu encontro, perguntava: Jesus, Vós sois realmente o meu Deus ou algum fantasma? É que, segundo me dizem as superioras, existem ilusões e fantasmas de diversos tipos. Se sois o meu Senhor, peço que me abençoeis. – Então Jesus fez um grande sinal da cruz sobre mim e eu me persignei. Quando pedi perdão a Jesus por essa pergunta, Ele me respondeu que, com essa pergunta, não Lhe causava nenhum dissabor e que Lhe agradava muito a minha confiança (Diário, 54).
A falta de um orientador espiritual permanente e a impossibilidade de cumprir as tarefas confiadas fizeram com que Irmã Faustina quisesse se afastar das inspirações sobrenaturais, mas Jesus pacientemente explicou a grandeza da obra para a qual a escolhera. Fica sabendo – explicou – que, se descuidares da pintura da imagem e de toda a Obra da Misericórdia, terás que responder por um grande número de almas no dia do juízo (Diário, 154). Estas palavras encheram sua alma com grande temor. Deu-se conta de que era responsável não só pela sua própria salvação, mas também pela salvação dos demais, portanto, resolveu fazer de tudo o que estava a seu alcance e pediu para que Jesus lhe concedesse as graças necessárias para o cumprimento da Sua vontade ou escolhesse outra pessoa e derramasse sobre ela Suas graças, porque ela só estava desperdiçando-as.
Em novembro de 1932, Irmã Faustina deixa Płock e retorna à Varsóvia para a chamada “Terceira Provação” e para a preparação para a profissão dos votos perpétuos. As superioras primeiro enviaram-na para uma casa da Congregação em Walendów, onde se iniciou o retiro anual de oito dias, sob a direção do jesuíta Pe. Edmund Elter, professor de ética, homilética e retórica na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma. Durante a confissão, ele assegurou a ela que estava no caminho certo, e que seu relacionamento com Jesus não era nem histeria, nem ilusão, nem um sonho. Recomendou que fosse fiel a tais graças e não desistisse delas, mas que pedisse a Deus um diretor espiritual que a ajudasse no discernimento e na realização de Suas intenções. Depois do retiro, cheia de gratidão e de alegria espiritual, voltou à Varsóvia para fazer a Terceira Provação, sob a direção da Madre Małgorzata Gimbutt, juntamente com outras duas irmãs, e assim, preparar-se para a profissão dos votos perpétuos.
No final de abril de 1933, chegou em Cracóvia para participar de um retiro de oito dias e fazer os votos perpétuos. Contudo, quando lembro – confessou – que devo tornar-me uma só coisa com o Senhor, dentro de alguns dias, pelos votos perpétuos, uma alegria tão inconcebível inunda a minha alma, que nem sei descrevê-la (Diário, 231). No dia 1o de maio de 1933, a cerimônia de votos perpétuos foi presidida pelo bispo Dom Stanisław Rospond. Irmã Faustina, durante esta cerimônia, rezava por toda a Igreja, por sua Congregação, por sua família, por todos os pecadores, pelos moribundos e pelas almas do purgatório. Agradecia pela dignidade inefável de ser noiva do Filho de Deus e implorava a Nossa Senhora uma proteção especial, lembrando-a de que tinha agora um novo título pelo qual devia ser amada. Mãe de Deus, Maria Santíssima, minha Mãe – dizia a Ela – sois agora minha Mãe de uma forma especial, porque vosso Filho amado é meu Esposo, e portanto somos ambos filhos vossos. Em consideração ao Filho, tendes que me amar (Diário, 240). Como sinal do seu casamento eterno, recebeu das mãos do bispo uma aliança com o nome de Jesus gravado. A partir desse momento, sua união com Deus era tão estreita como nunca tinha sido antes. Sentia que amava a Deus e que era por Ele amada.
- Desejos realizados
Pórtico Ostra Brama (“Portão do Amanhecer”) na entrada do centro histórico de Vilnius
Depois dos votos perpétuos, Irmã Faustina ficou em Cracóvia por quase mais um mês, sendo guiada pelo Pe. Józef Andrasz SI, que assim como o Pe. Edmund Elter, certificou-a quanto à autenticidade das aparições, recomendando fidelidade à graça de Deus e obediência. No final de maio de 1933, foi encaminhada para Vilnius. No caminho, fez uma parada em Częstochowa, para confiar à Mãe de Deus sua vida e a missão que recebera de Deus.
Em Vilnius, Irmã Faustina assumiu o trabalho no jardim, apesar de não ter nenhuma experiência nisto. Em espírito de fé, assumiu a vontade de Deus, confiando que Jesus a ajudaria e a conduziria a pessoas que a aconselhariam o quê, quando e como deveria fazer para que o jardim tivesse belas flores e legumes e frutas viçosos. Mas essa não era a sua maior preocupação, e sim o cumprimento da missão por Jesus a ela confiada. Esperava pelo confessor prometido e pela possibilidade de cumprir a vontade de Deus em relação à pintura de Jesus Misericordioso. Veio a semana da confissão, – relata no Diário – para a minha alegria, vi aquele sacerdote que já conheci antes de vir a Vilnius. Conhecia-o da visão. Então, ouvi na alma estas palavras: “Eis o Meu servo fiel, ele te ajudará a cumprir a Minha vontade aqui na terra” (Diário, 263). Este sacerdote era o Pe. Michał Sopoćko, professor de teologia pastoral na faculdade de teologia da Universidade de Stefan Batory e de disciplinas pedagógicas no Curso Superior de Professores, diretor espiritual no seminário da arquidiocese de Vilnius, e confessor de várias congregações, entre elas, confessor semanal das irmãs da Congregação das Irmãs de Nossa Senhora Mãe da Misericórdia.
Pe. Sopoćko, sendo um confessor e diretor espiritual experiente, quis primeiro conhecer melhor sua penitente, para não estar sujeito aos delírios, alucinações ou imaginações que podem ter sua origem na natureza humana. Consultou a Madre Superiora Irena Krzyżanowska sobre a vida religiosa de Irmã Faustina e pediu que sua saúde física e mental fossem examinadas. Recebendo opiniões positivas em todos os sentidos e confirmação da dra. Helena Maciejewska sobre a excelente condição psíquica de Irmã Faustina, Pe. Sopoćko, ainda por algum tempo, assumiu uma postura de espera, mantendo-se um pouco incrédulo, analisando, rezando e pedindo conselho a padres sábios, mantendo total discrição sobre o conteúdo das visões e da própria penitente. Ao final, como ele mesmo confessou, guiado mais pela curiosidade de como seria a imagem, do que pela fé na autenticidade das visões da Irmã Faustina, decidi que o quadro começasse a ser pintado. Entrei em um acordo com um pintor que morava na mesma casa que eu, Eugeniusz Kazimirowski, que se comprometeu a pintar o quadro por um certo valor, e com a Madre Superiora, que deu permissão à Irmã Faustina para ir até o pintor duas vezes por semana para indicar como deveria ser a imagem.
A pintura da primeira imagem de Jesus Misericordioso começou no início do mês de janeiro de 1934, em grande sigilo. Para não chamar atenção das irmãs – escreveu a madre superiora Irena Krzyżanowska – com relação às experiências interiores da Irmã Faustina, todo sábado de manhã eu ia junto com ela à missa na capela do pórtico do centro histórico da cidade, a chamada “Ostra Brama”, ou “Portão do Amanhecer”, um importante local de peregrinação. Após a missa, visitávamos o pintor, a quem a Irmã Faustina dava os detalhes de como devia ser pintada a imagem de Jesus Misericordioso. Ele tentava arduamente cumprir todas as exigências da Irmã Faustina.
A pintura da visão que a Irmã Faustina tivera três anos antes em Płock levantou várias questões, que o Pe. Sopoćko colocava para a Irmã Faustina, e ela, com coração humilde, apresentava a Jesus. O Meu olhar nesta imagem é o mesmo que eu tinha na cruz (Diário, 326) – explicava Jesus; Os dois raios representam o sangue e a água: o raio pálido significa a água que justifica as almas, o raio vermelho significa o sangue que é a vida das almas… Feliz aquele que viver à sua sombra, porque não será atingido pelo braço da justiça de Deus (Diário, 299). Como dúvida, restava ainda a questão do conteúdo da inscrição. Pe. Sopoćko pediu à Irmã Faustina que perguntasse a Jesus. Jesus me lembrou – escreveu no Diário – o que tinha dito na primeira vez, isto é, que três palavras devem ser salientadas. Essas palavras são: “Jezu ufam Tobie” (“Jesus, eu confio em Vós”) (Diário, 327).
Depois de alguns meses, em junho de 1934, o trabalho da pintura da imagem chegava ao fim. Irmã Faustina, porém, não ficou satisfeita, embora o pintor e o Pe. Sopoćko tivessem feito de tudo para que as visões de Jesus fossem fielmente representadas. Quando ela voltou para a capela do convento, queixou-se a Jesus: Quem Vos pintará tão belo como sois? (Diário, 313). Então ouviu estas palavras como resposta: O valor da imagem não está na beleza da tinta nem na habilidade do pintor, mas na Minha graça (Diário, 313).
Depois de concluída a pintura, Pe. Sopoćko colocou a imagem num corredor escuro, no convento das irmãs Bernardinas, que ficava ao lado da igreja de São Miguel, da qual era reitor. Esta imagem tinha características totalmente novas – recordou – e por isso eu não podia colocá-la na igreja sem autorização do Arcebispo, o que eu tinha vergonha de pedir; e mais vergonha tinha ainda de falar sobre a origem da imagem. Irmã Faustina, impulsionada por Jesus, exigiu que esta imagem fosse colocada na igreja. Na Semana Santa de 1935, ela informou ao Pe. Sopoćko que Jesus exigia a exposição da imagem por três dias no pórtico de Ostra Brama, onde, antes do Domingo Branco (o primeiro depois da Páscoa), haveria o tríduo de encerramento do Jubileu da redenção do mundo. Logo fiquei sabendo – escreve Pe. Sopoćko – que haveria este tríduo, e o pároco da capela de Ostra Brama, cônego Stanisław Zawadzki, pediu-me para fazer um sermão. Concordei com uma condição: que a imagem fosse colocada como decoração na janela do claustro, onde ele se mostraria imponente e chamaria mais atenção do que a imagem de Nossa Senhora.
A alegria daqueles dias para Irmã Faustina foi principalmente o cumprimento dos desejos de Jesus: a imagem da Misericórdia havia sido exposta à veneração pública no lugar mais significativo em Vilnius, no Santuário de Nossa Senhora de Ostra Brama e ainda no dia que foi designado por Ele como a Festa da Divina Misericórdia. Enquanto Pe. Sopoćko pregava sobre a misericórdia de Deus, Irmã Faustina viu que Jesus na imagem se tornava vivo e que Seus raios penetravam os corações das pessoas reunidas nesta solenidade, fazendo-os felizes. Disse a ela: Tu és testemunha da Minha misericórdia, ficarás pelos séculos diante do Meu trono como testemunha viva da Minha misericórdia (Diário, 417).
- Novas tarefas
Chalé em Vilnius
A alegria de cumprir os desejos de Jesus, de pintar a imagem e de vê-la exposta à veneração pública no primeiro domingo depois da Páscoa na festa da Divina Misericórdia não durou muito tempo, pois, em maio de 1935, Irmã Faustina intuitivamente sentiu que havia novas tarefas por vir, as quais ela temia. Uma vez, quando em vez de fazer sua oração interior começou a ler um livro espiritual, ouviu na alma estas palavras: Prepararás o mundo para a Minha última vinda (Diário, 429). Estas palavras comoveram-na profundamente, e embora fingindo que não as tivesse ouvido, compreendeu-as bem, mas naquele momento não falou nada para ninguém.
Na festa de Pentecostes, em 9 de junho de 1935, à noite, quando estava no jardim, Jesus deu-lhe outra tarefa: Pedirás com tuas companheiras a misericórdia para ti e para o mundo (Diário, 435). Como os profetas bíblicos, começou a listar suas insuficiências e a desculpar-se dizendo que era incapaz de realizar tal obra. Jesus, não dando atenção a isso, não revogou sua ordem, mas pelo contrário, encorajou-a a realizar aquela obra: Não tenhas medo – disse – Eu mesmo completarei tudo o que te falta (Diário, 435). Contudo, ela não tinha certeza se havia entendido bem as palavras de Jesus e se deveria fundar uma nova congregação, e tampouco havia recebido uma ordem clara para falar sobre isso com seu confessor, por isso, nada falou nos seguintes vinte dias. Apenas quando veio a conversar com seu diretor espiritual, Pe. Michał Sopoćko, revelou que Deus exigia que houvesse uma congregação que proclamasse ao mundo a misericórdia de Deus e Lhe pedisse essa misericórdia para o mundo (Diário, 436). Durante a conversa, viu Jesus, que confirmou a sua vontade dizendo: Desejo que haja uma tal congregação (Diário, 437). Em vão Irmã Faustina repetia que se sentia incapaz de cumprir com estes projetos. No dia seguinte, durante a santa missa, viu Jesus, que mais uma vez repetiu que desejava esta obra e que queria que a congregação fosse fundada o quanto antes. Após a santa comunhão, numa experiência mística, recebeu uma bênção de toda a Santíssima Trindade para esta obra. A bênção lhe deu tanta força que nada parecia difícil e num ato interior concordou em cumprir a vontade de Deus, mesmo sabendo o quanto ia sofrer por causa disso.
Em 13 de setembro de 1935, Irmã Faustina, estando em sua cela, teve uma visão do Anjo que, por ordem de Deus, veio punir a terra. Vendo este sinal da ira de Deus, começou a pedir ao Anjo que esperasse alguns instantes, para que o mundo fizesse penitência. Mas quando encontrou-se diante da majestade da Santíssima Trindade, não se atreveu a repetir esta súplica. No mesmo instante, sentiu em sua alma a força da graça de Jesus e começou a pedir a Deus com as palavras que ouvia dentro de si e que faziam parte do Terço da Divina Misericórdia. Enquanto rezava, viu a impotência do Anjo, que não pôde aplicar a punição devida pelos pecados da humanidade. Na manhã seguinte, quando entrou na capela, Jesus outra vez instruiu-a sobre como devia rezar esta oração utilizando-se do terço do rosário. Primeiro dirás o “Pai-Nosso”, a “Ave-Maria”, e o “Creio”. Depois, nas contas do Pai-Nosso, dirás as seguintes palavras: “Eterno Pai, eu Vos ofereço o Corpo e o Sangue, a Alma e a Divindade de Vosso diletíssimo Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, em expiação dos nossos pecados e dos do mundo inteiro”. Nas contas da Ave-Maria rezarás as seguintes palavras: “Pela Sua dolorosa Paixão, tende misericórdia de nós e do mundo inteiro”. No fim, rezarás três vezes estas palavras: “Deus Santo, Deus Forte, Deus Imortal, tende piedade de nós e do mundo inteiro” (Diário, 476). Esta oração tem por objetivo apaziguar a ira Divina.
Em revelações posteriores, Jesus deu à Irmã Faustina grandes promessas relacionadas à oração confiante deste Terço. Ele prometeu a graça de uma morte feliz e em paz, não só para aqueles que rezam esta oração, mas também para os agonizantes pelos quais outros rezam. Ainda que o pecador seja o mais empedernido – disse – se recitar este Terço uma só vez, alcançará a graça da Minha infinita misericórdia (Diário, 687). Pela recitação desse Terço agrada-Me dar tudo o que Me peçam (Diário, 1541). Estas e outras promessas de Jesus se cumprem somente quando as práticas por Ele ensinadas brotam de uma atitude interior de confiança em Deus unidas ao amor ativo ao próximo.
Durante a estadia da Irmã Faustina em Vilnius, Jesus voltou a pedir que se estabelecesse na Igreja a festa da Divina Misericórdia. Lembrou à Irmã Faustina que desejava que a festa fosse celebrada no primeiro domingo depois da Páscoa, porque as almas se perdem apesar de Sua amarga paixão. Este dia devia ser refúgio e amparo para todas as almas, e especialmente, para os pobres pecadores. Nesse dia – prometeu – estão abertas as entranhas da Minha misericórdia. Derramo todo um mar de graças sobre as almas que se aproximam da fonte da Minha misericórdia. A alma que se confessar e comungar alcançará o perdão das culpas e das penas. Nesse dia, estão abertas todas as comportas divinas pelas quais fluem as graças. Que nenhuma alma tenha medo de se aproximar de Mim, ainda que seus pecados sejam como o escarlate (Diário, 699). Os sacerdotes, nesse dia, devem pregar sobre o amor misericordioso de Deus aos homens e despertar em seus corações a confiança Nele e, assim, possibilitar que alcancem as graças da fonte da Divina misericórdia. A humanidade não encontrará paz enquanto não se voltar com confiança para a Minha misericórdia (Diário, 300) – disse Jesus à Irmã Faustina.
- Noites escuras
Irmã Faustina
Juntamente com as novas tarefas, surgiu na vida da Irmã Faustina a segunda etapa das dolorosas purificações chamadas noites passivas do espírito. A realização da ideia da nova congregação foi o pano de fundo e o instrumento por meio do qual Deus realizou essa obra em sua alma. Inicialmente Irmã Faustina pensou que Jesus desejava que ela deixasse sua Congregação e fundasse um convento contemplativo. Com este propósito, em 21 de março de 1936 saiu de Vilnius rumo a Walendów. No caminho, parou em Varsóvia, onde teve a oportunidade de falar sobre isso com a Superiora Geral, Madre Michaela Moraczewska, em quem tinha muita confiança. Ao ouvir a Irmã Faustina, a Madre Geral disse que, no momento, a vontade de Deus era que ela permanecesse na Congregação, porque ela tinha feito votos perpétuos. Mas também disse que a obra de misericórdia que Jesus lhe confiava devia ser muito bela para que satanás se opusesse tanto a ela. Aconselhou que não se apressasse com a fundação da nova congregação, porque, se realmente se tratava de uma obra de Deus, com o tempo, tomaria forma e se realizaria.
Depois de passar algumas semanas em Walendów, Irmã Faustina foi para a casa da Congregação em Derdy, a um quilômetro de distância, onde preparava as refeições para algumas irmãs e mais de trinta alunas. Ajudando na cozinha – recorda a irmã Serafina Kukulska – havia uma menina, neófita, de caráter muito desagradável, com quem ninguém queria trabalhar. E esta menina, trabalhando junto com a Irmã Faustina, mudou completamente. A Irmã Faustina tinha uma influência silenciosa, mas Divina nas almas pecadoras. Em Derdy a Irmã Faustina tinha tão pouco trabalho que ficar naquela casa parecia para ela um descanso. Mas logo teve que voltar a Cracóvia, onde havia condições melhores para o tratamento da sua tuberculose. Com o retorno à casa em Cracóvia, a Irmã Faustina se encheu de esperança de que pudesse cumprir definitivamente as intenções Divinas a respeito da fundação de uma nova congregação.
Embora soubesse que esta “congregação” seria uma grande obra na Igreja, que seria composta pelo ramo masculino e feminino, como também por associações de leigos, sobre o que falou em abril de 1936 em uma carta ao Pe. Sopoćko, estava convencida de que seu papel nesta obra seria fundar um convento contemplativo. Depois da chegada em Cracóvia, encontrou-se com o Pe. Andrasz, que pediu que ela rezasse até a festa do Sagrado Coração e adicionasse alguma penitência, e no dia da festa daria a ela sua resposta sobre essa questão. No entanto, Irmã Faustina, apressada interiormente, não esperou até a festa, mas durante a confissão daquela semana, declarou ao Pe. Andrasz que já havia tomado a decisão de deixar a Congregação. O diretor espiritual de Cracóvia disse-lhe então que, se ela havia tomado tal decisão sozinha, também deveria tomar para si toda a responsabilidade. Inicialmente sentia-se feliz por deixar a Congregação, mas, no dia seguinte, uma escuridão tão grande a envolveu e a presença de Deus a abandonou, ao que decidiu adiar o cumprimento de sua decisão até o próximo encontro com o confessor.
A Madre Geral, que inicialmente não concordava com que a Irmã Faustina deixasse a Congregação e a alertava contra a ilusão e ação precipitada, quando esteve visitando Cracóvia, a 4 de maio de 1937, disse: Até aqui sempre quis reter a irmã, mas agora dou-lhe liberdade, se a irmã quiser, pode deixar a Congregação, e se a irmã quiser, pode ficar (Diário, 1115). Irmã Faustina decidiu sair e escrever imediatamente um pedido de dispensa de seus votos ao Santo Padre. Mas uma vez mais foi envolvida por uma tão grande escuridão, que voltou ao quarto da Madre para contar-lhe sobre seu tormento e sua luta.
Esta foi sua última tentativa de sair da Congregação, mas a luta espiritual continuou. Ninguém entenderá nem compreenderá os meus tormentos – escreveu no Diário – nem eu saberei descrevê-los, pois não pode haver um sofrimento maior do que esse. Os sofrimentos dos mártires não são maiores, pois a morte, nesses momentos, seria um alívio para mim e não tenho com que comparar esses sofrimentos, essa agonia sem fim da alma (Diário, 1116). No fogo da luta espiritual, sua alma era purificada. A razão, a vontade, a memória, os sentimentos e todos os sentidos em harmonia cada vez mais plena, submetiam-se a Deus e dispunham-se em plena união com Ele. Deus nunca permite experiências além das nossas forças – falava Irmã Faustina. Se o sofrimento é grande, também a graça de Deus o é. Na escuridão das noites passivas, Deus lhe dava momentos de alívio e de grande alegria. De repente, vi Nosso Senhor – descreve num destes momentos – que me disse estas palavras: “Agora sei que Me amas, não pelas graças, nem pelos dons, mas porque a Minha vontade te é mais cara que a tua própria vida. Por isso, uno-Me contigo tão estreitamente, como não o faço com nenhuma outra criatura”. Nesse momento, Jesus desapareceu. A minha alma foi inundada pela presença de Deus, consciente de que o olhar do Altíssimo repousa sobre mim. Mergulhei completamente naquela alegria que provém de Deus. Passei o dia todo assim submersa em Deus, sem interrupção (Diário, 707-708).
Em junho de 1937, anotou no Diário a forma definitiva desta obra, que é uma, mas em três aspectos. O primeiro corresponde às almas separadas do mundo, que se ofereceriam como sacrifício diante do trono de Deus e suplicariam a misericórdia para o mundo e preparariam este mundo para a segunda vinda de Cristo. O segundo, às congregações de vida ativa que unirão oração e obras de misericórdia neste mundo egoísta, para, nele, tornar presente o amor misericordioso de Deus. Ao terceiro aspecto, podem pertencer todas as pessoas que, por meio do exercício cotidiano da misericórdia ao próximo com atos, palavras e orações por amor a Jesus, cumprirão as tarefas desta obra.
A realização desta tarefa não só causou grandes sofrimentos à Irmã Faustina, mas também levou-a à plena união com Jesus, aos chamados noivado e casamento místico. As potências da alma purificada em noites passivas já não colocavam qualquer obstáculo à vontade de Deus: a razão e a vontade desejavam somente Deus e aquilo que Ele queria. O Senhor conduziu-a a um mundo de união cada vez mais estreita com Ele, preparando-a para receber a graça do casamento místico: Neste momento, envolveu-me a luz Divina e me senti propriedade exclusiva de Deus; senti a mais elevada liberdade de espírito, da qual antes não fazia ideia (Diário, 1681). Agora, apenas uma fina cortina de fé separava-a da união com Deus que os santos têm no céu.
- “Te envio ao mundo inteiro”
Representação de Santa Faustina com a imagem de Jesus Misericordioso
No convento de Cracóvia, a comunicação à Irmã Faustina sobre sua missão profética foi concluída. Em outubro de 1937, Jesus dá à Irmã Faustina outra nova forma de culto à Divina Misericórdia. Ordena que se celebre o momento da Sua morte na cruz: Às três horas da tarde – disse – implora a Minha misericórdia especialmente pelos pecadores e, ao menos por um breve momento, reflete sobre a Minha Paixão, especialmente sobre o abandono em que Me encontrei no momento da agonia. Essa é a Hora da grande misericórdia para o mundo inteiro (Diário, 1320). Em outra revelação, ditou-lhe as formas de prática desta forma de culto. Se podes – disse a Irmã Faustina – reza a Via Sacra, e se os teus deveres não te permitirem, vai ao menos por um momento rezar diante do Santíssimo Sacramento, e, se isso também não for possível, então recolhe-te em oração onde estiveres. Com a oração confiante às três da tarde, oferecida a Jesus pelos méritos da sua paixão, prometem-se todos os favores que se podem pedir para si e para os outros, é claro, se estiverem de acordo com a vontade de Deus, ou seja, bons para o homem na perspectiva da eternidade. Nessa hora, conseguirás tudo para ti e para os outros. Nessa hora, realizou-se a graça para todo o mundo: a misericórdia venceu a justiça (Diário, 1572) – assegurou Jesus à Irmã Faustina.
Em Cracóvia, Irmã Faustina continuava escrevendo seu diário e nele anotava não somente as palavras de Jesus ou experiências místicas extraordinárias, mas também belas reflexões sobre o mistério da misericórdia de Deus. O tempo em que esteve enferma, em duas hospitalizações no hospital de Prądnik, com uma duração total de mais de oito meses, favoreceu a escrita, por isso, a maior parte de seus escritos espirituais foi registrada em Cracóvia. Foi neste tempo também que, por ordem de seu diretor espiritual de Vilnius, Irmã Faustina sublinhou as palavras de Jesus em todo o diário.
Ao longo de todo o diário, como um refrão, repete-se o pedido de Jesus, de que Sua misericórdia seja anunciada ao mundo. Irmã Faustina muitas vezes ouviu este apelo urgente: Escreve… fala ao mundo da Minha misericórdia, do Meu amor. As chamas da misericórdia me consomem, desejo derramá-las sobre as almas humanas. Oh! Que grande dor Me causam, quando não querem aceitá-las! Minha filha, faz o que está ao teu alcance pela divulgação do culto da Minha misericórdia. Eu completarei o que não conseguires. Diz à humanidade sofredora que se aconchegue no meu misericordioso Coração, e Eu a encherei de paz. Diz, Minha filha, que sou puro Amor e a própria Misericórdia (Diário, 1074).
Esta tarefa é particularmente importante, uma vez que Jesus associou a ela grandes promessas. Disse: As almas que divulgam o culto à Minha misericórdia, Eu as defendo por toda a vida como uma terna mãe defende o seu filhinho e, na hora da morte, não serei para elas Juiz, mas sim, Salvador (Diário, 1075). Prometeu uma graça especial aos sacerdotes que proclamem a verdade sobre o amor misericordioso de Deus por cada homem: ungir suas palavras e dar-lhes uma força tão grande que, ao ouvi-las, até mesmo os pecadores mais endurecidos se converterão.
Irmã Faustina cumpriu esta tarefa, não somente por meio do testemunho da sua vida ou escrevendo o diário, no qual revelou a riqueza extraordinária do amor misericordioso de Deus para com cada ser humano, mas também no contato cotidiano com o próximo. Um certo dia – recorda a irmã Eufemia Traczyńska – quando estávamos, outra irmã e eu, trabalhando na padaria e descascávamos maçãs, veio até nós a Irmã Faustina. Estávamos sentadas em um banco, uma ao lado da outra, e a Irmã Faustina chegou por trás de nós e, nos abraçando, colocou a cabeça entre as nossas. A Irmã Amelia, que tinha uma consciência muito sensível, perguntou-lhe então: – Irmã, como será isso, porque parece que se faz esforço e, apesar disso, durante a semana se peca tanto; como lidar com tudo isso? – Com isso vai ser assim – disse a Irmã Faustina – quando há um pátio e se anda por ele durante toda a semana, ele fica sujo. E quando chega o sábado, se faz limpeza, varre e ele fica limpinho. Assim também nós, quando vamos nos confessar, depois da confissão temos as almas limpinhas e não precisamos mais nos preocupar com isso. Jesus dá conta disso. No contato cotidiano com os demais, Irmã Faustina sabia como interpretar as diversas dificuldades da vida num espírito de fé viva e ver em tudo a bondade de Deus. Com frequência falava para as irmãs e alunas sobre o amor de Deus por cada pessoa e sobre o grande valor de se exercer o amor ao próximo. Uma vez, passando perto da capela, disse à irmã Damiana Ziółek: Ouvi falar que Jesus disse que no juízo final julgará o mundo só com a misericórdia, porque Deus é todo Misericórdia… e se alguém age com misericórdia ou a negligencia – esse se julgará a si mesmo.
O chamado para proclamar a mensagem do amor misericordioso de Deus pelo homem – como disse Jesus a ela – é a última tábua de salvação para muitas almas, que se perdem apesar de sua amarga Paixão. É também um caminho para alcançar a paz nos corações humanos e entre os povos: A humanidade não encontrará paz enquanto não se voltar com confiança para a Minha misericórdia (Diário, 300). Ela também há de preparar o mundo para a segunda vinda de Jesus à Terra. Que Deus é infinitamente misericordioso, ninguém o poderá negar; mas Ele deseja que todos saibam disso, antes que venha novamente como Juiz, quer que primeiro as almas O conheçam como Rei de Misericórdia (Diário, 378) – escreveu no diário a Irmã Faustina.
Sobre este papel da missão profética, também falava a ela a Mãe Santíssima, que fielmente a acompanhava. Durante a meditação da manhã – anotou Irmã Faustina – vi a Mãe de Deus, que me disse: Eu dei o Salvador ao mundo e, quanto a ti, deves falar ao mundo da Sua grande misericórdia, preparando-o para a Sua segunda vinda, quando virá não como Salvador misericordioso, mas como justo Juiz. Oh! Quão terrível será esse dia! Está decidido o dia da justiça, o dia da ira de Deus; os próprios anjos tremem diante dele. Fala às almas sobre essa grande misericórdia, enquanto é tempo de compaixão. Se tu te calares agora, terás de responder naquele dia terrível por um grande número de almas. Nada receies, sê fiel até o fim, Eu me compadeço de ti (Diário, 635).
O mistério da Divina Misericórdia esteve no centro da vida e da missão apostólica da Irmã Faustina. Segundo as palavras de Jesus e de Sua Mãe, ela não apenas deveria vivenciá-lo no seu próprio coração e em seus atos, mas também torná-lo conhecido no mundo inteiro. Esta tarefa parecia exceder as suas capacidades. Afinal, ela vivia num convento, era uma irmã simples que executava tarefas prosaicas, não tinha um contato amplo com o público e nem a possibilidade de disseminar a mensagem para o mundo. Mesmo assim, foi para ela que Jesus dirigiu estas palavras surpreendentes: No Antigo Testamento, Eu enviava profetas ao Meu povo com ameaças. Hoje estou enviando-te a toda a humanidade com a Minha misericórdia (Diário, 1588). Acreditava sinceramente nestas palavras, embora nem sempre soubesse como isso aconteceria. Sabia, no entanto, que a capela do convento em Cracóvia seria um lugar de culto da Divina Misericórdia. À irmã Bożenna Pniewska, que lamentava que a capela do convento em Łagiewniki estava disponível apenas para as irmãs e suas alunas, ela disse: Em breve chegará o dia em que este portão será aberto e as pessoas virão para rezar à Divina Misericórdia.
- Rumo à casa do Pai Misericordioso
Antigo pavilhão destinado aos pacientes com tuberculose no hospital de Prądnik, em Cracóvia
A tuberculose descoberta somente em Vilnius tinha feito grandes estragos no organismo da Irmã Faustina. A doença atacou não só o sistema respiratório, mas também o trato gastrointestinal. Seus superiores a enviaram para um tratamento no sanatório de Institutos Sanitários Urbanos de Cracóvia. Foi para lá pela primeira vez em dezembro de 1936 e ficou por quase quatro meses, com um intervalo para o Natal. Já no terceiro dia da sua estadia no sanatório, pôde experimentar a eficácia do Terço da Divina Misericórdia ditado por Jesus. À noite, foi acordada e soube que uma alma lhe pedia oração. Quando no dia seguinte entrou no quarto isolado onde estava hospitalizada, viu uma pessoa agonizante e soube que a agonia havia começado à noite, no horário em que havia sido despertada. Ouviu, então, a voz de Jesus na sua alma: Reza o Terço da Misericórdia que te ensinei (Diário, 810). Correu para buscar o terço, ajoelhou-se ao lado do agonizante e, com toda força da sua alma, começou a rezar a oração, pedindo a Jesus que cumprisse a promessa que vinculou a este Terço. De repente, a agonizante abriu os olhos, olhou para a Irmã Faustina e, com uma paz extraordinária, morreu. E Jesus disse: Defendo toda alma que recitar esse Terço na hora da morte, como se fosse a Minha própria glória, ou quando outros o recitarem junto a um agonizante – eles conseguirão a mesma indulgência. Quando recitam esse Terço junto a um agonizante, aplaca-se a ira de Deus, a misericórdia insondável envolve a alma e abrem-se as entranhas da Minha misericórdia, movidas pela dolorosa Paixão do Meu Filho (Diário, 811).
Assim começou o ministério hospitalar de Santa Faustina junto aos agonizantes. Embora ela mesma estivesse gravemente doente e sem poder, muitas vezes, permanecer até o final da Missa, sempre podia ver aqueles que precisavam de sua ajuda. E quando a superiora, preocupada com seu estado de saúde, lhe proibiu de visitar os agonizantes, Irmã Faustina oferecia por eles suas orações e atos de obediência, como lhe ensinou Jesus, aos Seus olhos, significam mais do que grandes obras realizadas por conta própria. Durante este período, ajudava não somente os agonizantes no sanatório, mas também, graças ao dom da bilocação, ajudava aqueles que estavam morrendo em algum lugar distante, fora do alcance físico dela. Aconteceu de o moribundo estar no segundo ou terceiro pavilhão, ou em um lugar a centenas de quilômetros de Cracóvia. Assim também aconteceu algumas vezes, quando algum familiar da Irmã Faustina estava morrendo, ou também alguma irmã religiosa, bem como com pessoas que sequer conhecia. Para a alma, não existe a limitação do espaço.
No hospital experimentou também muitas graças extraordinárias. Assim contou no seu Diário: Já nos primeiros dias, quando estava sofrendo por ser já a terceira semana em que não havia podido me confessar, na parte da tarde, Padre Andrasz entrou no meu quarto e sentou-se, para me ouvir em confissão – escreveu no Diário – Antes disso não trocamos nem mesmo uma palavra. Fiquei imensamente feliz, porque eu desejava muito me confessar. Desvendei toda a minha alma como de costume. O padre respondia-me a cada um dos pormenores. Eu me sentia profundamente feliz por poder dizer tudo. Como penitência, mandou que eu rezasse a ladainha do Nome de Jesus. Quando eu queria apresentar a dificuldade que teria para rezar essa ladainha, levantou-se e concedeu-me a absolvição. De repente, uma grande claridade começou a envolver a sua figura, e vi que não era o Padre Andrasz, mas Jesus. Suas vestes eram brancas como a neve. Desapareceu imediatamente. De início, fiquei um pouco perturbada, mas em seguida, uma espécie de paz invadiu a minha alma. Percebi que Jesus ouvia em confissão como os confessores, mas durante essa confissão uma coisa estranha tomava conta do meu coração, e eu não podia compreender, de início, o que isso significava (Diário, 817).
Os grandes sofrimentos físicos e espirituais eram acompanhados por grandes graças, que a Irmã Faustina escondia diante das pessoas, falando sobre elas apenas aos confessores. No entanto, às vezes, alguém as testemunhava. Uma vez fui a Prądnik para visitá-la – recorda a irmã Kajetana Bartkowiak – e bati na porta. Sempre respondia: “Entre”, mas, dessa vez, bati, bati, e ninguém me respondeu. Pensei que seguramente estava no quarto, e que estando doente, encontrava-se na cama. Então abri a porta e entrei. Olhei, e ela estava levitando acima da cama, olhando para longe, como se visse algo, estando completamente diferente, transformada. Coloquei-me ao lado da mesa, onde havia um pequeno altar, e um medo tomou conta de mim, mas ela despertou e disse: “Oh, a irmã veio, que bom, pode entrar”. Informada sobre o que aconteceu, a madre Irena Krzyżanowska proibiu-a de falar sobre isso, e assim o segredo da vida espiritual extraordinária da Irmã Faustina foi protegido.
A primeira etapa do tratamento hospitalar terminou em março de 1937. Irmã Faustina melhorou um pouco e voltou para o convento em Łagiewniki. Mas, em abril, seu estado de saúde piorou, e, por isso, em julho, as superioras a mandaram para a casa da Congregação em Rabka Zdrój. O rigoroso clima deste lugar montanhoso não era favorável para a Irmã Faustina, e depois de treze dias, ela voltou à Cracóvia, levando consigo o apoio de São José para esta obra da Misericórdia confiada pelo Senhor. São José prometeu à Irmã Faustina sua proteção especial, mas pediu que, em troca, que ela rezasse todos os dias três vezes o Pai-Nosso, a Ave-Maria e o Glória, e uma vez o “Lembrai-vos”, oração que a Congregação rezava em honra a São José. Doravante Irmã Faustina sabia que no cumprimento da sua missão não só a Mãe Santíssima a apoiava, mas também São José. Igualmente outros santos e anjos a ajudavam, cuja companhia e auxílio mais de uma vez experimentou de modo palpável.
Após seu retorno de Rabka, Irmã Faustina, devido ao seu estado de saúde, assumiu um trabalho mais leve do que aquele no jardim, e passou à função de porteira do convento. Ali teve muitas oportunidades para mostrar misericórdia às diversas pessoas que lá iam para pedir ajuda. Eram desempregados, crianças com fome, mendigos… Em cada um ela tentava ver o próprio Jesus e, por amor a Ele, fazia o bem a todos. Um certo dia veio à portaria um jovem pobre. Esse miserável jovem, com as vestes terrivelmente rasgadas, descalço e de cabeça descoberta, ele estava com muito frio, porque o dia era chuvoso e frio. Pediu algo quente para comer. Fui à cozinha e nada encontrei para os pobres, mas depois de procurar melhor, achei um pouco de sopa, que esquentei, ajuntei um pedaço de pão e ofereci ao pobre, que a tomou. No momento em que ele estava me entregando o prato, permitiu-me conhecer que era o Senhor do céu e da terra. Logo que vi quem era Ele, desapareceu diante dos meus olhos. Entrando na casa, refleti sobre o que tinha sucedido na portaria e ouvi estas palavras na alma: “Minha filha, chegaram aos Meus ouvidos as bênçãos dos pobres que, afastando-se da portaria, Me bendizem, e gostei dessa tua caridade nos limites da obediência e por isso desci do trono, para saborear o fruto da tua misericórdia” (Diário, 1312) – relatou.
Os primeiros meses de 1938 trouxeram a deterioração da saúde de Irmã Faustina, portanto, as superioras decidiram que, após a Páscoa, enviariam-na pela segunda vez ao hospital em Prądnik. As irmãs do Sagrado Coração, que trabalhavam neste hospital, prepararam para ela um quarto isolado. À noite uma delas disse à Irmã Faustina que no dia seguinte ela não receberia a Sagrada Comunhão, porque estava muito cansada. Pela manhã fiz a meditação – escreveu Irmã Faustina no Diário – e preparei-me para a santa comunhão, embora não devesse receber Nosso Senhor. Quando o meu anseio e o meu amor atingiram o grau máximo, vi junto da minha cama um Serafim. Ele me deu a santa comunhão pronunciando estas palavras: “Eis o Senhor dos anjos”. Quando recebi o Senhor, o meu espírito mergulhou no amor a Deus e no assombro. Repetiu-se isso por treze dias, embora, nunca tivesse certeza de que me traria no dia seguinte (Diário, 1676).
Continuou fazendo anotações em seu diário quase até o final de julho. Anotava as palavras de Jesus, suas orações, reflexões e eventos importantes, entre eles o último retiro de três dias conduzido pelo próprio Jesus antes da Solenidade de Pentecostes. A cada dia, Jesus lhe deu um tema de meditação, os pontos para meditar e pregou sobre luta espiritual, sacrifício, oração, e misericórdia. Ela devia meditar sobre o Seu amor por ela e sobre o amor ao próximo. Sob tal direção, sua mente penetrava com facilidade em todos os mistérios da fé e em seu coração se acendeu a chama viva do amor. Na Solenidade de Pentecostes, renovou seus votos religiosos. Sua alma estava em comunhão com o Espírito Santo de uma forma muito especial, e Seu sopro enchia sua alma com uma alegria indescritível, e seu coração imergia em gratidão por estas grandes graças.
Esta alegria radiante foi percebida pelas irmãs e por outras pessoas que a visitavam no hospital.. Com frequência eu a visitava – recorda a irmã Serafina Kukulska – e sempre a encontrava serena, até mesmo alegre, às vezes radiante, mas nunca descobriu o véu da sua felicidade. Em Prądnik sentia-se muito feliz e nunca se queixava do sofrimento. Médicos, irmãs, doentes – todos eles foram muito bons com ela. Irmã Felicja Żakowiecka visitava a Irmã Faustina duas vezes por semana. Por ocasião destas visitas, uma vez falou com o Dr. Adam Sielberg sobre o estado de saúde dela. O médico disse que estava muito mal, e a irmã Felicja respondeu: E o senhor lhe permite ir à santa missa? Dr. Sielberg respondeu: Seu estado de saúde é muito ruim, incurável, mas a Irmã é uma religiosa extraordinária, então, não faço caso disso. Outras em seu lugar nem levantariam mas ela, segurando-se nas paredes, foi indo para a capela.
O estado de saúde da Irmã Faustina foi piorando e sua vida terrena foi se aproximando do fim. Ciente disso, despediu-se da comunidade religiosa. Em agosto de 1938, escreveu uma carta à superiora-geral, Madre Michaela Moraczewska: Querida Mãezinha, parece-me que esta é a nossa última conversa na terra. Sinto-me muito fraca e escrevo com a mão trêmula. Sofro tanto quanto eu sou capaz de suportar. Jesus não dá sofrimentos além das forças. Se o sofrimento é grande, então é que a graça de Deus é poderosa. Confio plenamente em Deus e na Sua santa vontade. A saudade de Deus cada vez mais me envolve. A morte não me assusta, minha alma está abundante de grande serenidade. Agradeceu por todo o bem que havia recebido da Madre e da Congregação. Pediu perdão pelas faltas na observância da regra religiosa e por ter faltado no amor com outras irmãs e pediu oração e a bênção para a hora de sua morte. A carta terminou com estas palavras: Adeus, Querida Mãezinha, nos vemos no céu, diante do trono de Deus. E agora, que a Divina Misericórdia seja em nós e através de nós seja glorificada.
No hospital de Prądnik, falou também pela última vez com seu diretor espiritual de Vilnius, Pe. Michał Sopoćko, que, na primeira quinzena de setembro de 1938, teve a oportunidade de visitar a sua penitente excepcional e ouvir da sua boca, antes da sua morte, as orientações referentes à obra da Misericórdia que Jesus havia iniciado através dela. Irmã Faustina disse-lhe, então, que, acima de tudo, devia fazer todo o esforço possível para estabelecer na Igreja a festa da Divina Misericórdia, sem se preocupar muito com a nova congregação. A Irmã Faustina afirmou também que, em relação à nova congregação, através dos devidos sinais, saberia quem e o que deveria fazer. Disse que morreria em breve, e que tudo o que tinha para transmitir e escrever já o havia feito. Depois de despedir-se de Irmã Faustina, Pe. Sopoćko saiu do quarto isolado, mas, no caminho, lembrou-se que não havia deixado com ela os livrinhos com as orações da Divina Misericórdia ditadas por Jesus. Então voltou, e quando abriu a porta do quarto, encontrou Irmã Faustina levitando sobre a cama, imersa em oração. O seu olhar – relatou – estava fixado em algum objeto invisível e suas pupilas estavam ligeiramente dilatadas. Em um primeiro momento, ela não percebeu a minha entrada e eu não querendo incomodá-la, tentei me retirar; no entanto, logo voltou a si e pediu desculpas por não ter me ouvido bater na porta, nem me ouvido entrar. Entreguei-lhe as orações e me despedi, e ela disse: “Nos vemos no céu”. Quando a visitei pela última vez, no dia 26 de setembro, em Łagiewniki, já não queria falar comigo, ou melhor, não podia, e me disse: “Estou ocupada, unida ao Pai Celeste”. Realmente, ela dava a impressão de ser alguém sobrenatural. Então não tive a menor dúvida de que o que está escrito no diário sobre a Sagrada Comunhão dada a ela no hospital por um anjo correspondia à realidade.
Lugar onde a Irmã Faustina partiu para a casa do Pai Celestial. Anteriormente, uma enfermaria; hoje, um oratório onde as irmãs rezam
Depois de voltar do hospital, em 17 de setembro de 1938, Irmã Faustina esperava o momento da passagem deste mundo para a casa do Pai na enfermaria do convento em Cracóvia. As irmãs ficavam em vigília, trocando de turno. A Superiora da casa, Madre Irena Krzyżanowska, gostava de visitá-la, vendo nela muita paz e uma aparência surpreendente. Desapareceu completamente a tensão relacionada à realização da obra da Misericórdia encomendada pelo Senhor. Acontecerá a Festa da Divina Misericórdia, eu vejo isso. Eu só quero a vontade de Deus – disse à superiora. Questionada por ela se estava feliz por morrer na sua Congregação, respondeu: Sim, Mãezinha, a Congregação terá muitas consolações através de mim. Pouco antes de morrer, levantou-se na sua cama e pediu à Superiora que se aproximasse dela. Em seguida sussurrou: O Senhor Jesus quer exaltar-me e tornar-me santa. – Vi nela muita seriedade, e tive uma sensação excepcional, de que a Irmã Faustina entendia esta afirmação como um dom da misericórdia de Deus, sem sombra de orgulho – recordou a Madre Irena.
Na tarde de 5 de outubro de 1938, chegou ao convento em Łagiewniki o Pe. Andrasz, que, pela última vez, deu à Irmã Faustina a absolvição e a unção dos enfermos. Nesse mesmo dia, na hora do jantar, o sino tocou. As irmãs se levantaram da mesa no refeitório e subiram para o andar onde, num quarto isolado, estava a Irmã Faustina. Junto à cama, estava o capelão, Pe. Teodor Czaputa, a Madre Superiora Madre Irena Krzyżanowska, e no corredor, outras irmãs da comunidade de Cracóvia. Juntos rezavam as orações pelos agonizantes, ao que, em seguida, Irmã Faustina disse à superiora, Madre Irena, que não morreria ainda naquele instante. As irmãs foram rezar o ofício de vésperas. Entre elas estava a irmã juniora Eufemia Traczyczyńska que ouviu a irmã Amelia Socha dizendo: seja o que for, mas a Irmã Faustina certamente será uma santa. Quis então ver como morriam os santos. No entanto, não pôde contar com o consentimento da superiora para que fizesse vigília junto à irmã doente de tuberculose. Pediu, então, às almas do purgatório que a acordassem quando chegasse o momento da agonia. Fui dormir no horário habitual – recorda a irmã Eufemia – e logo dormi. De repente, alguém me acorda dizendo: “se quiseres assistir à morte da Irmã Faustina, levante-se”. Imediatamente percebi que houve um engano. A irmã que tinha ido acordar a irmã Amelia errou a cela e veio à minha. Então acordei a irmã Amelia, vesti o hábito e a touca e rapidamente corri para a enfermaria. Depois de mim, chegou a irmã Amelia. Era cerca de onze horas da noite. Quando chegamos lá, a Irmã Faustina abriu os olhos ligeiramente e sorriu, depois inclinou a cabeça e pronto… A irmã Amelia disse que, provavelmente já não vivia, havia morrido. Olhei para a irmã Amelia, mas não disse nada, e continuamos rezando. A vela estava acesa o tempo todo.
Cemitério em Cracóvia
Seu funeral foi realizado no dia 7 de outubro, no dia da festa de Nossa Senhora do Rosário. À cripta, onde estava o caixão da Irmã Faustina, iam para rezar não só as irmãs, mas também as alunas, e até mesmo os funcionários da fazenda da congregação. Entre eles estava Janek, sobre o qual se dizia que não era um católico praticante. Parou junto do caixão da Irmã Faustina e chorou, muito comovido, e depois do funeral – diziam – converteu-se. Também a cega Jadzia, uma aluna mais velha, comentou sobre suas experiências extraordinárias. Depois do enterro, celebrado pelo Pe. Władysław Wojtoń SJ com a participação de mais dois padres, as próprias irmãs carregavam o caixão com o corpo de Irmã Faustina sobre os seus ombros, em direção ao cemitério conventual, situado no fundo do jardim.
A irmã Faustina alcançou a plenitude da união com Deus e cantou um hino em honra de Sua insondável misericórdia. E para nós, que vivemos ainda na terra, deixou uma promessa: Não me esquecerei de ti, pobre terra – embora sinta que imediatamente mergulharei toda em Deus como num oceano de felicidade. Isso não será obstáculo para que eu volte à terra, encoraje as almas e as estimule à confiança na Misericórdia Divina. Pelo contrário, essa submersão em Deus me dará uma possibilidade ilimitada de agir (Diário, 1582).
- “Minha missão não terminará com minha morte”
Durante a vida de Irmã Faustina, sua missão profética foi mantida em rigoroso segredo. Sabiam dela somente o Pe. Michał Sopoćko, Pe. Józef Andrasz e algumas superioras. Após a morte de Irmã Faustina, durante a II Guerra Mundial, seu confessor de Vilnius tornou conhecido o nome da iniciadora do culto da Divina Misericórdia, que se propagava rapidamente. Na Congregação das Irmãs de Nossa Senhora Mãe da Misericórdia, seguiu seu exemplo a madre superiora-geral, Michaela Moraczewska, que indo de casa em casa falava do grande chamado e missão que Deus tinha confiado à Irmã Faustina. O que mais me impressionava na Irmã Faustina – escreveu depois da sua morte – e hoje, com a distância, continua impressionando, como um sintoma extraordinário, especialmente nos últimos meses de doença, esse seu total esquecimento de si mesmo em favor de propagar o culto da Divina Misericórdia. Não mostrava a menor dúvida sobre a veracidade de sua missão, nem medo da morte, mas estava toda absorvida pelo objetivo principal de sua vida: o culto da Divina Misericórdia.
Os anos de guerra cruel favoreceram a propagação do culto da Divina Misericórdia, pois ele trazia luz e esperança para a vida das pessoas. Junto com este culto ia crescendo a fama de santidade da vida da Irmã Faustina. Os peregrinos começaram a visitar seu túmulo em Łagiewniki, na cidade de Cracóvia, pedindo graças por sua intercessão. Na capela do convento, o Pe. Józef Andrasz benzeu a imagem de Jesus Misericordioso, pintada segundo a visão da Irmã Faustina, e iniciou um solene ofício em honra da Divina Misericórdia, para o qual vinham os habitantes de Cracóvia e da região. Um jovem, trabalhador da fábrica de produtos químicos Solvay, chamado Karol Wojtyła, que já naquele tempo havia se deparado com o culto da Divina Misericórdia nas formas transmitidas pela Irmã Faustina veio também para rezar diante da imagem. Quando foi ordenado padre, celebrava naquela capela cultos solenes em honra à Divina Misericórdia todo terceiro domingo do mês.
Como Bispo de Cracóvia, em 1965, iniciou o processo diocesano destinado à elevação de Irmã Faustina aos altares. Por sua parte, foi um ato de coragem, porque, desde 1959, estava em vigor a notificação da Santa Sé que proibia a divulgação do culto da Divina Misericórdia nas formas transmitidas pela Irmã Faustina. A notificação foi emitida devido à tradução errada do seu diário e das práticas por vezes inadequadas deste culto. Em tempos de comunismo, era difícil o contato com a Santa Sé, e não foi possível rejeitar as acusações feitas pela Santa Sé a respeito dos escritos da Irmã Faustina e das práticas deste culto. Este período, aliás, anunciado pela Irmã Faustina, contribuiu com o aprofundamento teológico dos escritos da Apóstola da Divina Misericórdia e com a colocação dos alicerces corretos para a prática deste culto. O cardeal Karol Wojtyła, na certeza de que esta situação não era um obstáculo para iniciar o processo, realizou-o sem demora. Enviou as atas do processo à Congregação Romana, que continuou verificando o heroísmo das virtudes e, posteriormente, confirmou o milagre que a senhora Maureen Digan dos Estados Unidos recebeu junto ao túmulo da Irmã Faustina.
Na Festa da Misericórdia, em 18 de abril de 1993, o Papa João Paulo II elevou a Irmã Faustina à glória dos altares. Durante a homilia, na Praça de São Pedro, em Roma, referiu-se as suas palavras: Pressinto bem que a minha missão não termina com a minha morte, mas começará com ela (Diário, 281) – e constatou: E assim aconteceu. A missão da Irmã Faustina continua e está dando frutos surpreendentes. É realmente maravilhoso o modo como a sua devoção a Jesus Misericordioso abre o caminho à santidade no mundo contemporâneo e conquista tantos corações humanos! Este é certamente um sinal dos tempos – sinal do nosso século XX. O saldo desta época, que agora está terminando, além das conquistas que já superaram muitas vezes épocas anteriores, também contém uma profunda ansiedade em relação ao futuro. Onde, então, senão na Misericórdia de Deus, o mundo encontrará a salvação e a luz da esperança? As pessoas de fé sentem isso perfeitamente!
Depois de examinar, pela Santa Sé, outro milagre – a cura milagrosa de uma doença cardíaca incurável do Pe. Ronald Pytel, de Baltimore – o Papa João Paulo II incluiu a Irmã Faustina entre os santos da Igreja Católica. A cerimônia de canonização ocorreu na Festa da Divina Misericórdia, dia 30 de abril de 2000, na Praça de São Pedro em Roma, com a participação de muitos bispos, sacerdotes, irmãs religiosas e peregrinos do mundo inteiro reunidos em grande número. Graças à transmissão de tal solenidade por meio da televisão, participaram também eclesiásticos e peregrinos reunidos no Santuário da Divina Misericórdia em Łagiewniki, na cidade de Cracóvia. Dezenas de anos antes desta cerimônia, a própria Irmã Faustina descreveu: De repente, a presença de Deus me submergiu e me vi em Roma, na capela do Santo Padre, embora, ao mesmo tempo, eu me encontrasse na nossa capela. A solenidade do Santo Padre e de toda a Igreja estava estreitamente unida com a nossa e, de maneira especial, com a da nossa congregação. E eu participava, ao mesmo tempo, da solenidade em Roma e em nossa capela. Essa solenidade estava tão intimamente unida com Roma, que, embora eu esteja escrevendo, não posso distingui-las, mas assim é, isto é, assim eu vi. A capela estava solenemente enfeitada e, nesse dia, estava aberta a todos que quisessem entrar. A multidão era tão imensa que eu não podia abraçá-la com a vista. Todos participavam com grande alegria dessa solenidade. E muitas pessoas receberam o que pediram. A mesma solenidade se realizava em Roma, num belo Santuário, e o Santo Padre celebrava com todo o clero. De repente, vi São Pedro, que se colocou entre o altar e o Santo Padre. Eu não podia ouvir o que São Pedro dizia, mas percebi que o Santo Padre entendia as suas palavras… (Diário, 1044).
Durante esta solenidade, que foi celebrada no Ano Jubilar, o Santo Padre João Paulo II instituiu a Festa da Divina Misericórdia para toda a Igreja e transmitiu ao mundo a mensagem profética da Misericórdia para o terceiro milênio da fé. Transmito a todos os homens – disse – para que aprendam a conhecer cada vez mais o verdadeiro rosto de Deus e verdadeiro rosto do homem. Dois anos mais tarde, pela segunda vez como Papa, peregrinou ao Santuário em Łagiewniki, para que consagrando a nova basílica, confiar o mundo à Divina Misericórdia. Ele disse, então, que queria que a mensagem do amor misericordioso de Deus, proclamado aqui através da Irmã Faustina, chegasse a todos os habitantes da terra e enchesse seus corações de esperança. Que esta mensagem se difunda deste lugar para a nossa amada Pátria e para o mundo inteiro. Que se cumpra a promessa do Senhor Jesus, que daqui sairá “a faísca que preparará o mundo para a Sua vinda derradeira” (cf. Diário, 1732). É preciso acender esta faísca da graça de Deus. É preciso transmitir ao mundo este fogo de misericórdia. Na misericórdia de Deus o mundo encontrará a paz, e o homem a felicidade.
Urna com as relíquias de Santa Faustina na capela do convento em Cracóvia
Hoje provavelmente não há nenhum país onde não se encontre a imagem de Jesus Misericordioso. A Festa da Misericórdia foi definitivamente inscrita no calendário litúrgico da Igreja inteira. O Terço da Divina Misericórdia é rezado inclusive em dialetos africanos e a oração na hora da agonia de Jesus na cruz, chamada a Hora da Misericórdia, se torna cada vez mais popular. Nascido da experiência mística e do carisma da Irmã Faustina, o Movimento Apostólico da Divina Misericórdia, a “congregação” cuja fundação Jesus exigiu dela, inclui várias congregações, associações, irmandades, apostolados como também pessoas que realizam sua missão individualmente. Ele leva ao mundo a mensagem da Misericórdia através de testemunho de vida, obras, palavras e oração. A Congregação das Irmãs de Nossa Senhora Mãe da Misericórdia adotou plenamente a missão profética da Irmã Faustina e, em 25 de agosto de 1995, reconheceu-a como sua co-fundadora espiritual. Teólogos inspirados pela Irmã Faustina aprofundam o mistério da misericórdia de Deus, os apóstolos da Divina Misericórdia aprendem em sua escola uma atitude de confiança diante de Deus e misericórdia para com o próximo, o amor à Eucaristia e à Igreja, e também a autêntica devoção à Mãe de Deus da Misericórdia. Na Polônia e no mundo, são fundadas inúmeras igrejas sob o título da Divina Misericórdia, Jesus Misericordioso e Santa Faustina. Como cogumelos depois da chuva, surgiram novos santuários da Divina Misericórdia, onde, de forma particular, a verdade sobre o amor de Deus a cada pessoa é proclamada. Realmente, a missão de Irmã Faustina não terminou com sua morte, mas continua e está dando frutos surpreendentes.
Do livro da Ir. Elżbieta Siepak ZMBM, “O dom de Deus para os nossos tempos”
Traduzido por: Robert Janowski